Os vereadores do Rio de Janeiro aprovaram na terça-feira, 15, projeto de lei que autoriza o uso de armas pela Guarda Municipal carioca. O próximo passo agora é regulamentar a forma como a mudança ocorrerá na prática. A proposta de emenda à Lei Orgânica da capital fluminense acrescenta que a corporação poderá realizar ações de segurança pública, como policiamento ostensivo, preventivo e comunitário. Os guardas deverão receber capacitação e treinamento específico para uso do armamento. Essa aprovação abre caminho para um possível armamento das guardas municipais do interior do estado, o que divide opiniões. Em Nova Friburgo, essa possibilidade, por enquanto, não é cogitada.
Entre os pontos que têm provocado discordâncias no município do Rio, estão as propostas de: criação de um grupo de elite separado dentro da GM, contratação de agentes temporários ou por concurso, permissão para agentes permanecerem com as armas depois do horário de serviço e a possibilidade do uso de câmeras corporais pelos guardas municipais.
STF tem posicionamento favorável
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, que é constitucional a criação de leis pelos municípios para que guardas municipais atuem em ações de segurança urbana. Essas normas devem, no entanto, respeitar limites, de forma a que não se sobreponham, mas cooperem com as atribuições das polícias Civil e Militar, cujas funções são reguladas pela Constituição Federal e por normas estaduais.
A matéria foi julgada no Recurso Extraordinário 608.588, o que significa que a decisão do STF deverá ser seguida pelas demais instâncias da Justiça em casos que questionam as atribuições das guardas municipais. De acordo com o entendimento do STF, as guardas municipais não têm poder de investigar, mas podem fazer policiamento ostensivo e comunitário e agir diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços, inclusive realizar prisões em flagrante, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública.
MPF é contra
Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) divulgou nota técnica expressando forte rejeição à então proposta de permitir o armamento da Guarda Municipal carioca. O MPF argumentou que a aprovação do projeto não contribui para a segurança pública e pode gerar mais perigos para a população e para os próprios agentes da guarda, ainda mais se outros municípios do Grande Rio e interior seguirem o mesmo caminho.
Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto do MPF, Julio Araujo, o armamento das guardas municipais sem planejamento prévio adequado pode intensificar a violência nas cidades. "Não podemos simplesmente armar a Guarda Municipal sem antes definir claramente seu papel e as estratégias de segurança pública nos municípios", afirmou.
A principal preocupação do MPF reside na ausência de um plano de segurança pública, documento que deveria preceder qualquer alteração nas atribuições das guardas. O procurador explica que a falta desse plano desrespeita o princípio da legalidade. "O plano de segurança deve ser a base para qualquer decisão sobre armamento. A ausência dele prejudica a efetividade das políticas de segurança pública", alertou.
Outro ponto crucial apontado na nota técnica é a elevada letalidade policial já existente no município do Rio de Janeiro, que registrou o segundo maior número de mortes em intervenções policiais no país em 2023. O MPF teme que armar a corporação possa contribuir para o aumento dessas ocorrências, especialmente se o treinamento dos agentes não for apropriado.
"Armar a Guarda Municipal sem a devida formação é um risco para todos, pois pode intensificar o uso excessivo da força e as violações de direitos humanos que já acontecem", declarou Araujo. O procurador também manifestou apreensão em relação ao histórico de violência da guarda contra populações vulneráveis, como trabalhadores ambulantes e pessoas em situação de rua.
O MPF questiona a efetividade do armamento das guardas municipais no combate à criminalidade. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que o aumento da disponibilidade de armas de fogo no Brasil tem sido associado ao crescimento de homicídios e latrocínios, e não à sua redução. "Não há evidências de que mais armas promovam a segurança, e sim o contrário: o aumento da circulação de armamentos tem levado ao aumento da violência", enfatizou o procurador.
Por fim, a nota técnica expressa preocupação com os riscos psicológicos e emocionais para os guardas municipais, que não são preparados para lidar com a complexidade do policiamento armado. O MPF salienta que os agentes podem se tornar mais suscetíveis a traumas, como evidenciado pelo aumento de suicídios entre policiais militares no estado.
Plano de Segurança
O antropólogo e professor Lenin Pires, do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), critica a ausência de previsão de conselhos municipais de segurança, com representantes da sociedade civil, e de um plano de segurança claro a ser elaborado pelas prefeituras fluminenses, que justifique as principais necessidades do uso da força armada pelas guardas municipais no Estado do Rio.
“O instrumento para o exercício da segurança municipal é o plano de segurança, pensado a partir de um diagnóstico. Nele devem constar informações, estudos, pesquisas, evidências que coloquem em perspectiva como deverá ser o uso dessa Guarda Municipal, no que que ela vai se concentrar, como ela vai atuar. Muito se fala do quantitativo de agentes e de armas, e sequer há um plano de segurança”, observa Lenin.
“O fato é que esse debate está colocado hoje em função da ineficiência e da incompetência do governo estadual, que tem operado unicamente na via da militarização das polícias Militar e Civil. Não há nenhum compromisso com o desenvolvimento de tecnologias, com inteligência policial, com investigação, com atuação preventiva. E a Guarda Municipal iria pelo mesmo caminho”, complementa.
(Com informações da Agência Brasil e portal STFjus)
Deixe o seu comentário