Cinco minutos: uma riqueza imperceptível

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Nossa capacidade de apreender a realidade é complexa e abrange os processos de captação dos estímulos através dos sentidos e dos processos mentais que englobam o domínio cognitivo e são sujeitos às influências dos valores, crenças e aspirações. Por que estou me referindo aos modos com que a pessoa capta a realidade para abordar a riqueza contida em cinco minutos? Cinco minutos — um brevíssimo tempo que pode mudar os rumos da vida, conter impressões significativas e revelações. Além de proporcionar sensações inéditas, inesquecíveis.

Em cinco minutos há nascimentos e mortes, gritos de independência e suspiros carregados de impossibilidades, reverências e despedidas. Tantas situações podem ser reveladas e descobertas! Cinco minutos podem conter todas as gotas de um oceano para quem vai além da superficialidade, da virtualidade e do imediatismo.

Acredito que se delimitarmos o tempo em cinco minutos será possível descobrir o que está implícito em cada circunstância. O explícito tem evidência relevante, contudo é no implícito que residem os fatos inconscientes e os sintomas de afetos guardados, interesses velados e características subliminares. O implícito pulsa e tem força maior do que o que é evidente. Porém ao ser revelado torna-se mais cristalino e entendível, capaz de dar novos sentidos às circunstâncias, mudando as evidências.

Por que os cinco minutos tanto me tocaram a ponto de me fazer escrever este breve ensaio? Dostoiévski. O grande escritor, filósofo e jornalista russo, que viveu no século XIX, foi condenado à morte e, instantes antes de sua execução, teve sua pena de morte cancelada. O que lhe permitiu a experiência de apreender a grandiosidade desses instantes. Somente quem viveu cinco minutos anteriores à privação da vida sabe do seu significado, tempo em que a experiência do viver pode superar todo o pensamento, os conceitos teóricos, as doutrinas religiosas e políticas. São momentos em que a essência cresce e toma conta do corpo por inteiro, unindo-o à alma em elos absolutos.

Os cinco minutos são rigorosos para que a pessoa possa vivenciar com profundidade o olhar, a força do abraço, o gosto do alimento, a cor do céu. Respirar. Sentir-se vivo.

A vida segue dia após dia, e os cinco minutos vão passando, ficam perdidos, esquecidos e nunca apreendidos. Transformam-se em pedaços de papel picados que voam no tempo, no rumo dos ventos e caem no chão, varridos como coisa qualquer.

Desde que li a profunda narrativa de Dostoiévski em “O idiota”, tenho me posto a viver cada minuto com os olhos abertos para ver o que me acontece nos pequenos instantes do dia, quem está ao meu lado, o que faço, como estou reagindo aos fatos. Com a crítica aflorada para observar a forma como o celular e o mundo virtual se enroscam e se entranham em mim. Noutro dia, cheguei na quitanda, onde costumo comprar coisas do dia a dia, e a vendedora exclamou: “Estava sentindo a sua falta!”. Quantas vezes parei para perceber o que significo para os outros e qual o significado que as pessoas pouco próximas têm para mim?  Será que eu as vejo?

Estamos no centro de uma realidade de 360°, mas só vemos na direção do nosso olhar. Nossas percepções têm restrições. E aí está o grande salto: aprender a perceber e a sentir com profundidade o que está em nossas mãos, a cheirar o que pegamos e a segurar contra peito o que temos nas mãos. A compreender a complexidade da vida e saber superar dificuldades com criatividade e inteligência. 

Faço questão de trazer à coluna o pensamento de Saint-Exupéry: “Era uma pessoa igual a cem mil outras pessoas. Mas eu fiz dela um amigo, agora ela é única no mundo”. Apenas para dizer que a plenitude dos cinco minutos exige presença.

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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