O prefeito de Nova Friburgo foi para as redes sociais divulgar que irá atravessar o oceano para ir até Israel — sim, Israel, o país que está vivendo sob constante tensão geopolítica e em guerra aberta — buscar soluções para a segurança pública e inovação na cidade de Nova Friburgo.
Enquanto isso, por aqui, a cidade vive sua própria guerra: uma guerra silenciosa, cotidiana, contra a falta de estrutura, de humanidade e de gestão. Uma guerra que mata três friburguenses por dia dentro do Hospital Municipal Raul Sertã. Só que, diferente de Israel, por aqui o inimigo não é um exército. É o descaso.
Terra prometida
A viagem do prefeito à Terra Santa seria cômica, se não fosse trágica. O prefeito aparece sorridente nas redes sociais, anunciando sua ida em missão oficial representando Nova Friburgo, como se isso fosse um excelente marco diplomático. No entanto, estamos atravessando uma das maiores crises da saúde da cidade sem atitudes imediatas.
Qual o sentido de buscar soluções para segurança pública em outro continente quando não conseguimos garantir que uma pessoa saia viva de um hospital municipal? Segurança pública começa por salvar vidas — e o prefeito está literalmente ignorando as que estão sendo perdidas debaixo do seu nariz.
Como denunciado pelo vereador Marcos Marins, em audiência pública, a conta é cruel: a taxa de mortalidade dos internados no Raul Sertã em 2024 foi de 14,18%. Um a cada sete morre durante a internação. Três por dia. Isso é três vezes a média nacional do SUS.
Terra de promessas
Para uma questão de dimensão, o número de mortes por ano dentro do Hospital Municipal Raul Sertã corresponde a números superiores a tragédias naturais que chocaram todo o país, inclusive a catástrofe climática de 2011. Nos últimos quatro anos, as denúncias foram muitas.
Em outubro de 2023, parte do forro da recepção do Centro de Tratamento de Urgência do Hospital Raul Sertã desabou durante uma forte chuva. A Defesa Civil identificou que o incidente foi causado pelo acúmulo de água no telhado, devido à capacidade insuficiente das calhas para escoar a água. O episódio evidencia a precariedade da infraestrutura do hospital.
Além disso, em março de 2023, a Polícia Federal deflagrou a Operação Baragnose, que investigou fraudes em licitações relacionadas ao fornecimento de refeições no HMRS. As investigações apontaram para a existência de um esquema criminoso envolvendo servidores públicos e empresários, que teriam forjado justificativas para dispensar licitações e favorecer determinadas empresas. O caso resultou no bloqueio de quase R$ 12 milhões de envolvidos, incluindo ex-prefeitos e ex-secretários de saúde.
Ainda, em abril de 2024, uma fiscalização realizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro constatou diversas irregularidades no HMRS, como infiltrações nas paredes, mobiliário precário, falta de água potável, climatizadores e locais adequados para acomodar pacientes e acompanhantes.
Por fim, e não menos importante, foi identificado que o hospital não possui liberação das instalações pelo Corpo de Bombeiros e carece de uma brigada contra incêndios. O relatório também apontou a ausência de um plano diretor para reformas estruturais e melhorias nos serviços prestados.
Cidade das lamentações
Em vez de ajoelhar-se diante do Muro das Lamentações, o prefeito deveria andar pelos corredores do hospital e ouvir as verdadeiras lamentações: de mães esperando por atendimento, de idosos esquecidos em macas improvisadas, de médicos exaustos, de famílias destruídas pela falta do básico.
Israel enfrenta bombardeios, Nova Friburgo lida com um massacre invisível, diário e tão devastador quanto qualquer míssil. Só que aqui, não há sirene de alerta. Só o silêncio constrangedor de quem finge que está tudo bem.
A comparação é dura, mas necessária. Em Israel, há sistema de defesa, investimentos maciços em segurança. Em Nova Friburgo, há abandono institucional, filas para atendimento emergencial, estruturas caindo aos pedaços. Em Israel, há refúgios antiaéreos. Aqui, não temos sequer um lugar digno para tratar pneumonia.
A viagem não só é inútil — é ofensiva. É uma ofensa às famílias enlutadas. É uma ofensa aos servidores da saúde que viram mártires da negligência. É uma ofensa à inteligência do cidadão. E mais que tudo: é um símbolo do quão distantes estão as prioridades do governo em relação ao que realmente importa.
Estamos em guerra, sim. Mas é contra o colapso da saúde, da dignidade, da empatia. E o prefeito não está no front — está fazendo turismo institucional para buscar “ideias” que não servem à nossa realidade. Em vez de importar soluções de um país em conflito, por que não resolver primeiro o nosso próprio campo de batalha?
Nova Friburgo não precisa de discurso internacional. Precisa de gestão local. Precisa de quem bote a mão na massa, não nas redes sociais. O povo não quer intercâmbio político com países de guerra. Quer sobrevivência em países em paz. E o mínimo que se espera de um líder em tempos de crise é presença.
O Muro das Lamentações é um lugar sagrado. O Raul Sertã, hoje, é um lugar profano. Sagrado deveria ser o direito à vida. Mas, em Nova Friburgo, esse direito está sendo enterrado diariamente — e o responsável por enfrentá-lo prefere pedir bênçãos do outro lado do mundo, enquanto aqui só restam orações.
(*) Lucas Barros é advogado e colunista de A VOZ DA SERRA
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