O desafio de escrever para o pré-adolescente

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Mas que desafio? Nem criança, nem adolescente, o pré-adolescente está no meio de passagens, que decorrem dos processos de deixar de ser criança e começar a tornar-se adolescente. Um turbilhão de mudanças físicas, hormonais, cognitivas, emocionais, sociais e centros de interesse invadem sua experiência existencial. Tudo vai acontecendo com rapidez e concomitância, dando-lhe a sensação que o mundo está girando mais rápido e ele não consegue dar conta das mudanças. Diante dos seus olhos janelas são abertas e novas paisagens, instigantes, assustadoras, divertidas e sofridas, são descortinadas dia a dia.

  O que lhe era certo, agora, não é mais! Seu pensamento alcança maiores dimensões em decorrência do desenvolvimento das capacidades de abstrair ideias e estabelecer relações mais complexas entre os fatos, pessoas e consigo mesmo ao ampliar o seu ponto de vista sobre as circunstâncias com as quais convive e tem conhecimento. É um vivente que está saindo da fase do pensamento mágico e do faz de conta, deixando o encantamento infantil. A realidade concreta, então, começa a redefinir os modos com que percebe e sente ao experimentar a vida.

O que escrever para o leitor que não está nem lá nem cá, mas que pode encontrar no livro de literatura um amparo?  Como, hoje, ele precisa de apoio, quiçá de compaixão! Sinto necessidade de focar o pré-adolescente como “pessoa em processo de vir a ser”. Não quero compartimentá-lo em uma etapa, posto que a vida não poupa ninguém; desde o momento em que nascemos estamos expostos aos acontecimentos.

Por isso considero que o fazer literário, não somente para essa faixa-etária, mas para todas, tem na arte das palavras, nas ideias criativas, na cultura e nos valores humanos o seu universo. Segundo Ricardo Azevedo é a forma através da qual o escritor experimenta a verdade. Para Humberto Eco, a literatura vai além do entretenimento ao manter tradições, elevar o espírito e formar identidades. Já Fernando Pessoa via na poesia um meio de explorar a complexidade da existência e das relações entre o eu e o mundo.

Assim, a construção de histórias para pré-adolescentes tem como questões relevantes a escolha do tema, a forma como abordá-lo e a linguagem. Sim a linguagem! Como atrair seu interesse se a escrita se utiliza de estruturas infantis ou adultas? É um grande desafio à inspiração do escritor. O livro não é feito de magias. É criado por pessoas que experimentaram o estar na pré-adolescência. Pode até que sejam eles mesmos, o que seria bem interessante porque vão expressar o que vivem, suas explosões de afetividades, construção de identidades e de movimentos no mundo.

Através dos temas que abordam a amizade, a aventura, as descobertas pessoais, os processos de identidade sexual, a superação de desafios, os medos inerentes ao crescimento, as relações interpessoais e com animais, o escritor pode se comunicar efetivamente com eles. Enfim, o que não faltam são temas; basta sentar-se na beira da calçada em frente de um portão de uma escola que inúmeras ideias vão cutucá-lo.

Mas, acima de tudo, o escritor é um amante da vida, um admirador da existência da pessoa num mundo cheio de adversidades. É aquele que tem a arte e a sensibilidade na flor da pele para saber o que escrever para quem está chegando a este mundo.

 

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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