Com a arrecadação do INSS caindo e o número de pedidos de aposentadoria aumentando, a fila de espera por benefícios não para de crescer e atinge novo recorde, com cerca de 2,042 milhões de requerimentos pendentes.
De acordo com o Portal da Transparência, cerca de 2,042 milhões de pessoas estão com requerimentos pendentes
Essa situação é causada por uma combinação de fatores, como a falta de servidores no INSS e o aumento de pedidos de benefícios. Os dados, que fazem parte do boletim oficial do Ministério da Previdência, são de dezembro, mas só foram divulgados agora, em abril.
De acordo com estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil gasta o equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB) no pagamento de aposentadorias e pensões, incluindo as previdências do setor público e privado. Essa proporção coloca o Brasil na 14ª posição entre os que mais gastam com previdência, em um universo de 113 países, segundo o Ipea. Como as contribuições não cobrem o total de benefícios, o resultado tem sido negativo.
Muitos especialistas costumam apontar esse déficit como um dos principais vilões das contas públicas no país. O argumento é de que, com a maior proporção de idosos e menos jovens, a conta poderá "explodir" no futuro.
"Essa é uma questão de médio e longo prazos. Uma reforma é necessária, não para simplesmente aumentar contribuições, mas para que o sistema seja mais justo e sustentável do ponto de vista fiscal", diz Felipe Salto, economista da Tendências consultoria. O número de aposentadorias disparou após a reforma da Previdência, com 38,5 mil registros em 2019, diante os 18,9 mil no ano anterior.
Cerca de 16% desse volume está relacionado a pedidos feitos por beneficiários que perceberam descontos não autorizados em seus benefícios. A Polícia Federal desmantelou, então, um esquema fraudulento que aplicou R$ 6,3 bilhões em descontos associativos indevidos entre 2019 e 2024. Mas esse escândalo é apenas o sintoma mais visível de um problema estrutural, constantemente tratado com medidas paliativas, e que escancara a sobrecarga e o colapso operacional que se alastram por diversas áreas da administração pública.
Desde sua campanha eleitoral, o presidente Lula havia prometido reverter esse quadro e, de fato, implementou algumas medidas para atacar o problema. Em julho de 2023, o Executivo relançou o pagamento de bônus de produtividade para servidores e peritos, autorizou a realocação emergencial de pessoal e colheu resultados rápidos: o tempo médio de espera por concessão de benefícios caiu de 76 dias, em janeiro, para 34 dias em julho de 2024. Mas o alívio durou pouco. A partir de agosto, a fila voltou a crescer, atingindo 39 dias de espera em novembro. No final do ano, os requerimentos acumulados já ultrapassavam os dois milhões, segundo o Portal da Transparência.
Entre 2023 e 2024, a média mensal de pedidos de benefícios saltou de 700 mil para 1,2 milhão — um aumento de 71%. Esse crescimento abrupto é resultado da combinação de três fatores: o envelhecimento da população brasileira, os efeitos retardados da reforma da Previdência de 2019 (que dificultou o acesso à aposentadoria e empurrou milhares de idosos pobres para o BPC, o Benefício de Prestação Continuada), e a digitalização desordenada de processos como o Atestemed (atestado online) — que permite afastamentos médicos sem perícia por até 180 dias, reduzindo custos, mas inflando a quantidade de requerimentos.
Próxima década
Segundo o governo, mais de 150 mil funcionários públicos federais irão se aposentar nos próximos 10 anos, o que deve aumentar a pressão sobre os serviços estatais. O que representa um quarto do quadro total de servidores do Executivo.
Enquanto o poder público digitaliza mais atividades, reduzindo a necessidade de novas contratações, o Ministério da Gestão (MGI) realiza um trabalho de dimensionamento da máquina pública para definir quantos concursos serão necessários para repor a força de trabalho. Para especialistas, é necessário avançar em uma reforma administrativa antes de se falar em concursos.
O Executivo federal tem hoje 570,5 mil servidores ativos. Ou seja, se as previsões do governo se confirmarem, 26,9% dos funcionários em atividade irão se aposentar nesta década. Pelas contas do MGI, o pico das aposentadorias deve ocorrer neste ano, quando 24,2 mil servidores estarão aptos a deixar o setor público, segundo dados da pasta. Outros 18,1 mil também poderão deixar o serviço público federal até o fim deste governo.
Tendência de automação
O número de aposentadorias disparou após a reforma da Previdência, com 38,5 mil registros em 2019, diante dos 18,9 mil no ano anterior. Um estudo da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) indica uma tendência de maior automação em cargos que envolvem tarefas de menor complexidade, exigem menor nível educacional e têm remuneração mais baixa. Isso fez a taxa de reposição de servidores federais cair na última década, em grande parte devido às transformações tecnológicas no mundo do trabalho.
Assim, boa parte das aposentadorias, especialmente em funções operacionais, não exige substituição. Segundo o secretário de Gestão de Pessoas do MGI, José Celso Cardoso Jr., a prioridade do Executivo nas contratações deve recair sobre profissionais com capacidade de atuação transversal entre áreas e órgãos do governo.
“A digitalização de serviços e a automação de tarefas têm sido apontadas como soluções para reduzir a dependência de pessoal. A soma das tecnologias informacionais com servidores públicos capacitados e motivados converge para a entrega de serviços de excelência”, avaliou Cardoso Jr.
Atualmente, o entendimento é que será necessário realizar concursos para preencher vagas de nível superior e em áreas finalísticas. Há 214 mil cargos vagos, mas está claro para o governo que nem todos deverão ser preenchidos. Neste ano, cerca de 6,5 mil aprovados no Concurso Nacional Unificado de 2024 serão nomeados e um novo certame, com 3 mil vagas, está previsto para 2025.
Cargos obsoletos
O Executivo federal calcula em cerca de 30 mil as vagas de cargos hoje vistos como obsoletos. Segundo dados do governo, além disso, 44.218 dos cargos do Executivo apresentam indícios de que devem ir pelo mesmo caminho.
Na lista estão posições claramente ultrapassadas, como as de datilógrafos, ou funções que não necessariamente precisam ser feitas por funcionários concursados, como as de vigias, porteiros e recepcionistas — que são necessárias, mas podem ser feitas por terceirizados ou temporários, desonerando a máquina federal.
Para o professor do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB), Francisco Coelho Júnior, a necessidade de reposição pode ser uma oportunidade para impulsionar uma reforma voltada à modernização. “Do ponto de vista técnico, a reforma tem potencial para contribuir com a redução do gasto público, permitindo que os recursos otimizados sejam direcionados a outras prioridades, como saúde e educação”, avaliou.
Na visão do professor de Administração Pública da FGV, Gustavo Fernandes, é fundamental que uma eventual reforma também contemple a reposição de atividades essenciais que não podem ser substituídas pela digitalização.
“A transformação digital, a informatização e o uso de inteligência artificial têm sido vistos como uma bala de prata, como se resolvessem tudo. Mas grande parte do trabalho da administração pública é intensiva em mão de obra humana. Professores, médicos, assistentes sociais, profissionais da saúde e da segurança pública não podem ser substituídos por algoritmos”, ressaltou.
(Fontes: Agência Brasil; Veja.com; O Globo)
Deixe o seu comentário