Quando se pensa em burnout, é comum associá-lo a longas jornadas de trabalho, prazos apertados e uma carga mental excessiva. E, de fato, essas são causas frequentes. Mas o esgotamento nem sempre vem de fontes tão óbvias de estresse.
Rotinas automáticas, excesso de decisões triviais e até mesmo hábitos vistos como autocuidado podem ser vilões ocultos da sua energia mental
Muitas vezes, são pequenos hábitos do dia a dia — realizados no piloto automático — que silenciosamente consomem nossa energia. À primeira vista, podem parecer inofensivos, mas com o tempo se revelam altamente desgastantes e contraproducentes.
Nossas ações têm o poder de renovar nossa energia ou drenar recursos mentais valiosos. Às vezes, basta um único hábito positivo para acionar um efeito dominó, incentivando outras escolhas que promovem o bem-estar.
Por outro lado, hábitos nocivos podem desencadear um ciclo sutil de desconexão, distração e exaustão — muitas vezes passando despercebidos. São difíceis de identificar justamente porque se camuflam na rotina. E o ambiente ao nosso redor — incluindo pessoas próximas — frequentemente reforça esses comportamentos, fazendo com que pareçam normais, ou até indispensáveis.
Hábitos que drenam sua energia sem que você perceba
1. Atenção dispersa
Com uma avalanche de notificações, listas de tarefas e dezenas de abas abertas no navegador, não é incomum sentir que nunca está totalmente focado em uma única coisa.
Você talvez se pegue pulando de um aplicativo para outro, assistindo a algo enquanto come ou respondendo mensagens enquanto tenta conversar com alguém ao seu lado — situações em que está fisicamente presente, mas mentalmente disperso. Ao tentar fazer tudo ao mesmo tempo, acaba não se entregando por completo a nenhuma atividade — e isso o distancia, cada vez mais, do momento presente.
Embora ser multitarefas pareça algo produtivo, pesquisas apontam o contrário. Um estudo publicado na Developmental Review, revista científica especializada em psicologia e neurociência, analisou o cérebro em desenvolvimento em contextos de multitarefa.
Os pesquisadores descobriram que pessoas que se envolvem intensamente com múltiplas mídias tendem a ter um desempenho inferior em tarefas que exigem atenção — apesar de acreditarem que são boas em fazer várias coisas ao mesmo tempo. Eles sugerem que isso pode estar ligado à busca por sensações, um traço associado tanto ao multitasking quanto à dificuldade em filtrar distrações.
Há ainda evidências de vínculos genéticos entre essa busca por estímulos e a “atenção executiva” — sistema responsável pelo foco em objetivos e pela regulação emocional — que pode ser comprometido, especialmente em quem realiza muitas tarefas ao mesmo tempo com frequência.
Embora os autores indiquem que meditação e exercícios de atenção possam ajudar a retomar o foco, também alertam que o consumo constante e fragmentado de diferentes mídias pode reduzir nossa capacidade de permanecer presentes e alcançar objetivos de longo prazo.
Ou seja, embora você sinta vontade de dar conta de tudo ao mesmo tempo, há um custo oculto nisso. Alternar constantemente entre tarefas dilui sua atenção, o que pode deixar tudo pela metade e drenar sua energia mais do que você imagina. O verdadeiro poder está no foco intencional. Dar atenção completa a uma tarefa por vez melhora o desempenho e fortalece sua capacidade de viver o presente.
2. Fadiga de decisão por escolhas triviais
Outro hábito que pode estar consumindo sua energia sem que você perceba são as incontáveis microdecisões que tomamos ao longo do dia. Na tentativa de sempre fazer a melhor escolha, acabamos gastando recursos mentais valiosos com questões relativamente banais.
Por exemplo: escolher o que vestir pela manhã, rolar infinitamente as opções de delivery ou gastar cinco minutos decidindo qual playlist ouvir enquanto trabalha. Quando somadas, essas pequenas decisões consomem uma parte significativa da sua energia mental — que poderia ser usada em tarefas mais importantes.
Esse acúmulo leva ao que pesquisadores chamam de “fadiga de decisão”. Um estudo publicado no Journal of Health Psychology, revista científica especializada em psicologia da saúde, mostra que toda decisão, por menor que seja, consome um reservatório limitado de recursos mentais.
Os autores analisaram dados de sete grandes bases de estudos e identificaram padrões consistentes. A fadiga de decisão prejudica a atenção, o autocontrole e o julgamento. Isso foi observado em diferentes contextos: juízes tendem a dar sentenças menos favoráveis no fim do dia, e profissionais que atuam em diferentes áreas, como enfermeiros ou pilotos de avião, apresentam queda cognitiva após esforço mental prolongado.
Isso explica por que escolhas aparentemente pequenas ou pouco importantes podem te deixar mentalmente exausto antes mesmo de enfrentar tarefas realmente relevantes. Por isso, automatizar ou simplificar essas decisões pode ajudar a preservar sua energia mental para o que realmente importa.
Uma boa estratégia é reservar um momento específico — como o domingo à noite — para tomar decisões em bloco: planeje os looks da semana, decida com antecedência as refeições ou crie playlists temáticas para cada momento. Ao agrupar escolhas triviais, você reduz o volume de decisões diárias e conserva energia para tarefas mais importantes — ganhando foco e produtividade.
3. A performance do bem-estar
É comum confundir rotinas de bem-estar com autocuidado genuíno. Muitas pessoas meditam, escrevem em diários ou comem de forma saudável apenas porque isso parece bonito ou para marcar na checklist — muitas vezes, de forma inconsciente.
As redes sociais reforçam essa ideia ao mostrar hábitos de autocuidado perfeitos e esteticamente impecáveis, tornando mais fácil priorizar a aparência em vez da autenticidade. Isso se torna um problema quando o foco passa a ser a validação externa, e não as reais necessidades emocionais e mentais.
Se o autocuidado virou uma obrigação na sua rotina e está te causando mais estresse do que alívio, talvez você esteja preso à ideia de performar o bem-estar, em vez de adotar práticas que realmente façam sentido para você e a sua realidade.
Um exemplo é a pressão para seguir rotinas complexas de skincare só porque estão em alta, mesmo que não se encaixem nas suas necessidades ou horários. A cultura popular do autocuidado também passa a mensagem de que você precisa estar sempre fazendo algo por si mesmo: caminhadas, yoga, meditação. Apesar de serem hábitos saudáveis, a cobrança constante pode gerar ansiedade e a sensação de estar falhando.
É essencial entender que o que funciona como autocuidado para uma pessoa pode não funcionar para outra. Está tudo bem pular uma aula de yoga se você estiver cansado ou fazer uma pausa no diário se ele não estiver ajudando naquele momento. O objetivo não é seguir uma rotina idealizada, mas sim apoiar verdadeiramente o seu bem-estar.
A energia no lugar certo
A forma como você escolhe gastar sua energia influencia diretamente em como você se apresenta nas áreas mais importantes da sua vida. Ao reconhecer esses hábitos cotidianos que passam despercebidos e entender seu impacto, é possível fazer pequenas, mas intencionais mudanças.
“Isso te ajuda a recuperar o foco e o equilíbrio emocional. Bem-estar não é fazer mais — é fazer o que realmente faz sentido para você, com consciência de onde sua energia está sendo investida”.
(*Por Mark Travers para Forbes USA)
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