“A mente humana tem sido ameaçada de ‘atrofiar’ ou encolher por causa do ser humano gastar enorme quantidade de tempo em redes sociais, games, tablets, computadores, celulares, fazendo isso de forma passiva, recebendo muitas vezes alimento de baixa qualidade nos conteúdos que assiste”, escreveu o psiquiatra Cesar Vasconcellos, em sua coluna semanal, no jornal A VOZ DA SERRA — edição de 22 de maio.
As telas estão destruindo a infância e o futuro das crianças”, alerta Jonathan Haidt, autor do best-seller A Geração Ansiosa
Em entrevista ao jornal O Globo, também nesta semana, o psicólogo e escritor norte-americano Jonathan Haidt, 61 anos, refletiu sobre ‘amigos’ criados por IA, proibição de celulares nas escolas, responsabilidade das big techs e consequências do uso prolongado de smartphones. E alertou: “Todos, em todas as faixas etárias, estão achando mais difícil pensar”.
Há um ano, Haidt lançou o livro “A geração ansiosa” (Cia. das Letras) que se tornou referência para debates sobre as consequências do uso dos smartphones por longos períodos, e sobre regulação das redes sociais. Neste best-seller, o psicólogo social e professor universitário, parte de pesquisas que apontam um aumento acentuado nos índices de ansiedade, depressão e automutilação entre crianças e adolescentes desde o começo da década de 2010.
Para ele, “o fato de esta geração ter crescido em um ambiente em que a hiperconectividade se tornou um padrão, levou a menos tempos de interações presenciais com amigos e parentes, acarretando problemas como privação social e de sono, atenção fragmentada e vício.
O autor classificou o fenômeno como a “grande reconfiguração da infância”, com os integrantes da geração Z sendo “cobaias de uma maneira radicalmente nova de crescer e que é muito distante das interações em comunidades pequenas no mundo real, a partir das quais os humanos evoluíram”.
Sobre a resistência da regulação das redes sociais sob o argumento do risco à liberdade de expressão e a possibilidade de a Meta oferecer “amigos” de inteligência artificial aos usuários, Haidt reagiu: “Acho um absurdo que Mark Zuckerberg (criador do Facebook e controlador da Meta) queira oferecer amigos artificiais às nossas crianças para aliviar a dor e o sofrimento da solidão causada por seus próprios produtos”.
O escritor foi o principal convidado do 6º Congresso Socioemocional LIV, realizado no Vivo Rio, na última quarta-feira, 21. Com o tema “Tecnologia, bem-estar e infância: Reconstruindo ambientes saudáveis”, o evento celebrou uma década de atuação na promoção de habilidades emocionais em mais de 500 mil alunos brasileiros.
Diante de uma plateia de quase duas mil pessoas, entre educadores, mães e pais, Jonathan Haidt foi duro em sua palestra sobre os problemas causados pelo uso excessivo de telas na infância e adolescência. Ele também apresentou um conjunto de dicas para evitar a destruição do futuro dos jovens hiperconectados. Segundo ele, o mundo passa por uma “epidemia silenciosa”.
“É uma tragédia em dois atos. Primeiro, perdemos a infância que era baseada em brincadeiras, em liberdade. Crianças precisam abraçar seus amigos, sentir e interagir. E isso acaba quando surgem os smartphones”, disse Haidt.
Os principais problemas do excesso de telas, segundo Jonathan Haidt, são: aumento de casos de ansiedade, depressão e automutilação; irritabilidade e desregulação emocional; problemas de visão; distúrbios de sono; sedentarismo e obesidade; déficit de atenção e memória; atraso na linguagem; isolamento e convívio precário; exposição a riscos virtuais; vício em dopamina; queda no desempenho escolar; e analfabetismo funcional.
Na entrevista, Haidt comentou a lei 15.100/2005, que restringe o uso de celulares em escolas em todo o Brasil e a perspectiva de, a médio prazo, mais países adotarem medidas semelhantes.
“Isso já está acontecendo rapidamente. Todo mundo consegue ver que, quando os alunos têm acesso aos seus celulares durante o dia, o drama e a distração nunca acabam, mesmo durante as aulas. Os professores odeiam os celulares, mas em muitas escolas, havia medo de que os pais reclamassem se não pudessem entrar em contato com os filhos. Agora estamos descobrindo que os problemas são geralmente menores do que o esperado”.
Fora e dentro do mundo real
De acordo com os estudos apresentados, o aumento do uso de celulares por crianças e adolescentes é inversamente proporcional ao tempo gasto com amigos, na vida ao vivo. Jovens de 15 a 24 anos experimentaram uma queda muito mais acentuada no tempo com amigos fora da escola do que as gerações anteriores, segundo um painel apresentado por Haidt.
Outro dado que mostra a mudança de comportamento entre gerações é a liberdade oferecida pelos pais.
Haidt afirmou que as gerações nascidas entre as décadas de 1960 e 1990 tinham maior autonomia para realizar tarefas sem supervisão. Já os nascidos após 1995 foram perdendo gradativamente essa exposição ao mundo real.
“Entre 2000 e 2010, o celular servia só para ligar, para pequenas mensagens de texto e o jogo da cobrinha. Agora a geração Z provavelmente já ganhou um smartphone com 12 anos, entrou no Facebook e passou a ser bombardeada por estímulos. O jovem virou o produto e está sendo vendido por publicitários”, complementa.
“Os telefones estão tornando os nossos alunos mais burros. As notas caíram a partir de 2020. Todos falaram: ‘Olha o que a Covid causou.’ Mas não foi a Covid, foi o maior tempo em telas. A humanidade está cada vez mais burra, ao mesmo tempo que as máquinas estão mais inteligentes”, avaliou.
Segundo ele, as dificuldades intelectuais também afetam os adultos, mas o impacto é mais grave nos jovens, devido ao período de formação cerebral.
"O que acontece é que a capacidade de ler e responder perguntas vai caindo. É o analfabetismo funcional. Muitos adultos não conseguem ler 3 ou 4 páginas sem ir para as redes, ver e-mails, responder mensagens", ressaltou, reiterando que “a cura para a ansiedade é a exposição gradual ao mundo real".
Expandir, não atrofiar
“... Ao pensar no que escrever, lembrei da IA. Seria fácil colocar um título e a IA me daria um texto pronto. … Só que, ainda quero usar a minha mente, para que ela seja preservada, não atrofie e até possa se expandir mais. Poderosas mídias querem pensar por você. Basta conectar e está tudo feito e pronto para o consumo. Mas, você não se preocupa em conhecer quem produziu o conteúdo que vai ler, talvez passar adiante? Sabe o que esta pessoa pensa sobre a vida, sobre ética, moral, sobre a guerra entre o bem e o mal na mente humana? Cuidado para não expor sua mente a conteúdos destrutivos”, alertou o médico psiquiatra Cesar Vasconcellos.
Sobre o fato de Haidt receber relatos de adultos, após a leitura de seu livro, reconhecendo dificuldades como a atenção fragmentada e a sensação de nunca estar completamente presente, o autor concorda e responde: “Sim, estamos todos sobrecarregados. Essa nova luz digital é desumana. Interrupções constantes, conexões sociais demais para manter. Há, inclusive, evidências recentes de que todos, em todas as faixas etárias, estão achando mais difícil pensar”.
Doenças e suicídios
Desde 2010, coincidindo com a popularização dos smartphones, os índices de ansiedade, depressão e automutilação entre adolescentes dispararam globalmente. Nos EUA, 20% das adolescentes relatam pensamentos suicidas.
No Brasil, as internações psiquiátricas de jovens começaram a subir rapidamente a partir de 2015. Dados do Ministério da Saúde apresentados por Haidt mostram que o número de adultos jovens brasileiros que tiraram a própria vida aumentou drasticamente a partir de 2016.
(Fontes: O Globo e G1)
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