Com o tempo, o perfil dos hesitantes foi ganhando novas camadas e o hábito de se vacinar aparentemente deixou de ser regra no Brasil. As quedas nas coberturas ficaram mais visíveis em 2015, quando o Brasil registrou os últimos casos de sarampo. Em 2016, o Brasil chegou a receber da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) o certificado de país livre do sarampo, mas o perdeu em 2019 após nova epidemia associada à queda da vacinação.
A epidemia de sarampo voltou em 2018, com mais de 1.500 casos em Roraima e no Amazonas, e, em 2019, com 18 mil casos no estado de São Paulo. O ano de 2019 também foi marcado por um triste índice: pela primeira vez em 25 anos, o Brasil não atingiu a meta de imunizar 90% do público-alvo de nenhuma das 15 vacinas indicadas no calendário básico do Ministério da Saúde.
O mapa do Índice de Confiança em Vacinas (Vaccine Confidence Project – VCP), projeto que avalia 140 países, mostra bem a queda de confiança nos imunizantes ao longo dos anos no Brasil. Em 2015, para 99% dos entrevistados brasileiros, o produto era importante para as crianças, enquanto a mesma afirmação se manteve entre 88% dos entrevistados em 2022.
Em 2015, 93% achavam as vacinas seguras, 94% as julgavam eficazes e 95% consideravam os imunizantes compatíveis com a crença dos brasileiros, mas em 2022 os percentuais caíram para 88%, 87% e 79%, respectivamente.
A pesquisa “Confiança nas vacinas e hesitação em vacinar no Brasil”, publicada em 2018, esquadrinhou os motivos da hesitação vacinal no país no período. As razões mais comuns foram questões de confiança (41,4%), eficácia/segurança da vacina (25,5%) e preocupações com os eventos adversos (23,6%).
Competição entre pró e antivacinas
Um estudo publicado na revista Nature, em 2020, ajudou a entender como e por que a desinformação sobre vacinas vinha ganhando tanto espaço. Pesquisadores da George Washington University analisaram três milhões de perfis pró e antivacina no Facebook (EUA), concluindo que notícias falsas sobre o tema tinham uma penetração muito mais rápida nas redes do que as verdadeiras.
A velocidade, por sua vez, era determinante para espalhar desconfianças sobre a comunidade científica. No Brasil, durante a pandemia de Covid-19, a trajetória das fake news sobre imunização seguiu a mesma lógica, com o adendo de ser apoiada pelo próprio governo brasileiro.
“A partir de 2020 a hesitação foi se aprofundando por aqui em várias esferas. Quando foi recomendado o imunizante contra o novo coronavírus para idosos e crianças, vários estados deram autorização legal para não vacinar as crianças. As pessoas passaram a subjugar a doença, que causou e ainda está causando estragos.
Essa questão adentrou os serviços de saúde, quando até médicos passaram a não recomendar o produto, mesmo tendo comprovação científica de eficácia e segurança”, lembra Vera Gattás, responsável pela Farmacovigilância do Instituto Butantan.
Como reverter?
Para as especialistas do Butantan, é preciso se atentar ao momento histórico e rever toda a comunicação que envolve o universo das vacinas a fim de fazer as pessoas voltarem a acreditar no poder e na capacidade que os imunizantes têm de salvar vidas.
“O serviço de saúde precisa ser mais incisivo, ter mais campanhas. O gasto com isso é muito menor do que o com pessoas adoecendo no SUS e em outros sistemas. O custo-benefício das vacinas é muito alto, porque quando se realiza a vacinação, milhões de crianças deixam de morrer”, defende Vera Gattás.
De acordo com Carolina Barbieri, a hesitação vacinal está passando por um contexto sem precedentes na atualidade, que vive uma “ressaca emocional pós-pandemia”, que exige uma inovação na forma de informar sobre vacinas e imunização.
“As antigas campanhas, focadas na colocação de cartazes em postos de saúde ou no uso de celebridades nas propagandas, já não dão conta de informar ou sensibilizar a nova geração, perdendo em rapidez e eficácia para as fake news”, pondera.
Porém, essa realidade não pode impedir a ciência de continuar atuando e de se comunicar de forma cada vez mais efetiva com a população.
“A verdade é soberana e as pessoas sabem que se salvaram por causa da vacina contra a Covid-19. Com ciência e transparência, os brasileiros vão resgatar a segurança que um dia tiveram. Claro que é um caminho desafiador porque levamos 40 anos para conquistar a credibilidade do PNI e poucos anos para desmontar. Vai ser um trabalho de formiguinha para comunicar, formar e profissionalizar”, avalia Carolina.
Fonte: Camila Neumam (Comunicação Butantan)
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