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A batalha dos lençóis

quarta-feira, 04 de junho de 2025

Ou então perguntar aos sul-coreanos se não querem comprar brasileiros e brasileiras

Ou então perguntar aos sul-coreanos se não querem comprar brasileiros e brasileiras

A notícia é grave: a Coreia do Sul, um dos países mais ricos do mundo, pode acabar. Isso mesmo: deixar de existir, sumir do mapa. E a razão não é nenhuma guerra, epidemia, tsunami ou coisa do gênero. Você dirá que isso não passa de notícia falsa (mais conhecida como fake News), ou encheção de linguiça de cronista sem assunto. Mas se impérios acabam, por que não um país, e ainda mais um país cujo território não é nenhuma Amazônia? Se o Brasil fosse um dedo, a Coreia do Sul seria um pedacinho de cutícula.

Se lembra do Império Romano, ou estava tiktokando no celular durante essa aula de História? Eu até já estudei isso, mas foi no tempo do quadro negro e do puxão de orelha, e não guardei grandes coisas. “Varreu-se-me da memória”, como dizia o personagem de uma antiga novela de televisão. Vagamente me lembro de que as botas dos soldados romanos marcharam sobre meio mundo, durante quase cinco séculos. Até com Jesus eles acharam de implicar. Pior do que as botas eram as lanças e as espadas, que costumavam cutucar quem não fosse patrício e estivesse pela frente. E, no fim das contas, o grande império partiu-se em tantos pedaços que sobrou um pedacinho até pra nós, brasileiros.

        Voltemos ao país asiático, que anda (ou melhor, não anda) aí pela casa dos 50 milhões de habitantes. O problema é que lá a cada ano só nasce 0,72 criança por casal. O ideal para que uma população não entre em decréscimo é de dois filhos, para compensar os que vão para a outra vida (contra a vontade, mas vão). Quer dizer, são necessários pelo menos dois casais bem dispostos para produzir um bebê sul-coreano. De tal modo os homens e mulheres de lá andam desanimados em colaborar para a sobrevivência do seu povo que o governo se vê na obrigação de se meter na cama alheia. Programas de incentivo a encontros amorosos, mensagens animadoras, incentivos fiscais. O governo tem feito o que pode. O resto depende de os cidadãos e cidadãs se decidirem a entrar nessa guerra de salvação nacional, ir com coragem para a batalha dos lençóis. E, vamos falar a verdade, nem é tanto sacrifício.  

Coisa semelhante aconteceu na Alemanha. E ficou tão grave que um ministro foi à televisão conclamar o pessoal a que se animasse a ter mais filhos. E concluiu sua fala com essa sábia recomendação: “E agora, desliguem a televisão e vão para o quarto cumprir seu dever patriótico”. Acho que o Brasil não está precisando de conselhos desse tipo. Talvez seja até o caso de recomendar o contrário: “Calma pessoal!” E desde já sugiro o slogan para a campanha: “Por amor ao país, amem um pouco menos”. Ou então perguntar aos sul-coreanos se não querem comprar brasileiros e brasileiras. Negócio de ocasião! Como bem sabem os economistas, quando há excesso de oferta, o preço cai. E nós estamos com gente sobrando, principalmente depois que Trump mandou de volta para casa os que ele achou que eram demais nos Estados Unidos.

O perigo é acontecer o oposto. Quer dizer, a chegada dos brasileiros provocar uma explosão demográfica e que dentro de poucos anos haja tanto sul-coreano com cara de sul-americano que não caibam nos 100.000 km2 daquele país. É, pensando bem, é melhor deixar que eles resolvam seus problemas sem nossa valiosa ajuda. Não vamos nos meter nos lençóis alheios.

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As estátuas decepadas

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Eu gostaria que os eventuais leitores da crônica de hoje tivessem lido a do dia sete deste mês, na qual explico por que estou republicando texto tão antigo, tão estranho ao que atualmente escrevo e sobre um assunto que os friburguenses mais idosos já esqueceram e que os mais jovens nem sequer chegaram a conhecer.

As estátuas decepadas

Eu gostaria que os eventuais leitores da crônica de hoje tivessem lido a do dia sete deste mês, na qual explico por que estou republicando texto tão antigo, tão estranho ao que atualmente escrevo e sobre um assunto que os friburguenses mais idosos já esqueceram e que os mais jovens nem sequer chegaram a conhecer.

As estátuas decepadas

Alguém um pouco mais louco do que nós, mortais comuns, investiu contra as figuras de mármore que, na praça, simbolizavam as quatro estações do ano, e feriu-as de morte. Elas eram o que de mais belo havia nos apagados jardins de gramas secas e flores descoradas. Mas, principalmente, eram elas que nos lembravam a todo instante que tudo muda, que as flores morrem porque o sol as abrasa no seu desvairado desejo de brilhar, que os frutos caem porque chega o frio.

Tudo passa. O dia vai depressa e não damos conta de nossos múltiplos e multiplicados compromissos; a semana some e não podemos encontrar o amigo, nem podemos nos encontrar (ai de nós, tão perdidos de nós mesmos!); o mês voa e não temos tempo de deixar a amada descobrir o quanto é amada, nem acariciar os cabelos das crianças. A primavera acaba, acaba o verão, o outono acaba, acaba o inverno e não descobrimos a felicidade, não isolamos a alma do frio, não aquecemos o coração inquieto, não contemplamos as flores que ainda conseguiram brotar, nem provamos o fruto que mais desejávamos. Tudo passa muito depressa. A vida passa muito depressa.

As figuras imóveis no jardim olhavam-nos com pétrea complacência: os velhos aposentados que liam o jornal e carregavam pesadas horas de enfado; as crianças que corriam e gritavam ao irem para a escola; os namorados que passavam de mãos dadas e furtivamente se beijavam sob o olhar mudo das quatro estações. Então alguém, cegado pela noite interior do seu mundo insondável, apanhou-as indefesas dentro da madrugada e decepou-as com a força de sua loucura e a violência de suas mãos.

E nós, que não sentíamos a beleza das estátuas, descobrimos na manhã seguinte que nossa cidade estava menos habitável, que nossa vida estava mais vazia, que nós estávamos mais pobres. As estátuas eram nossas e, nelas, a beleza foi ferida. E cada vez que a beleza do mundo diminui, cada um de nós fica mais feio e mutilado. Com seus pés corroídos, seus dedos quebrados, seus ventres marcados, seus seios incompletos, ostentavam o encanto das coisas sofridas, que só as coisas sofridas atingem a plenitude de sua graça e de seu encantamento. Nosso pobre Dom Quixote às avessas lançou-se contra elas, talvez porque elas, ao contrário dos moinhos de vento, não acenassem para outra visão do mundo e não o olhassem senão com indiferença, cansadas de contemplar tantas formas de loucura no desfile diário pela praça.

E o mais triste é que estamos nos acostumando às imagens decapitadas, e o vazio de suas cabeças passa a integrar-se à paisagem. É como se elas sempre se encolhessem ou despissem, oferecessem flores e frutos, assim mesmo, como nós mesmos muitas vezes o fazemos na vida, sem olhos para ver a quem, sem boca para dizer por que, sem cabeça para entender o mundo. Nós também decapitados, quase sempre sem o sentirmos e mais infelizes ainda quando temos consciência disso.

Restaurarão as estátuas? Ó, vós, governantes do dinheiro (do povo) que compra o mármore, que move a mão do escultor, que ressuscita as estátuas mortas, restaurai as estações do ano! Nada perdeis e fazeis um grande bem a todos que sabiam amar as frias presenças, que achavam nas velhas figuras a graça sempre renovada e o calor sempre repetido das coisas que fazem parte de nós sem que o saibamos.

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Crônicas antigas

quarta-feira, 07 de maio de 2025

Não duvido que, depois que a tiver lido, alguém comente: “Não melhorou nada até hoje”

Não duvido que, depois que a tiver lido, alguém comente: “Não melhorou nada até hoje”

Alguém me perguntou qual foi a minha primeira crônica publicada, a porta de entrada para as mais de 900 que já tive a ousadia de estampar em jornal, desde aquele longínquo 15 de outubro de 1977. Até me lembrei dela, mas logo me veio a ideia de que não fui eu que a publiquei, o autor era outro. Não que eu a tenha roubado; falando sinceramente, não sou dado a roubar coisa nenhuma. Podem investigar. Acontece que eu era outro, mais jovem, mais analfabeto e menos experiente dos tropeços e avanços que todos nós vamos dando, vida afora. E tanto eu não era o eu que está escrevendo agora, nesta manhã de abril, fria e chuvosa, que hoje eu não publicaria nada daquela época (mas vou publicar, como se verá mais adiante).

De repente, alguém da casa vem me informar que o Papa Francisco morreu durante a madrugada. Os dedos ficam imóveis sobre o teclado, porque a notícia é triste. Depois do grande intelectual e teólogo que foi Joseph Ratzinger, Deus (para os católicos), ou o acaso (para os múltiplos não católicos) mandou Jorge Mario Bergoglio, um homem simples, com cara de vizinho antigo, ou de dono da quitanda do bairro. Já está no céu, onde continua torcendo pelo San Lourenço e dizendo que Pelé era melhor do que Maradona. Talvez não diga em voz alta, porque pode ser que no céu exista outro argentino.

Também é Dia de Tiradentes, “aquele herói enlouquecido de esperança”, na definição de Tancredo Neves.  Talvez tenha muito de mito, mais Joaquim José e menos Tiradentes. No entanto, é um mito do bem, tão diferente dos que atualmente vemos por aí. Sabe-se o quanto ele se sacrificou pelo que acreditava e do que se sabe conclui-se que, como diz o samba do Império Serrano, “Foi traído e não traiu jamais / A inconfidência de Minas Gerais”.

E a primeira crônica? Não, essa não. Destoa muito do que escrevo atualmente. Talvez a terceira, que saiu no Correio Friburguense em 5/11/77, seja um pouco menos ruim. Além disso, essa foi a primeira que escrevi especificamente para o jornal. Não duvido que, depois que a tiver lido, alguém comente: “Não melhorou nada até hoje”. Não vou levar a mal. E, para que isso não me desanime de continuar escrevendo, atribuirei comentário tão negativo a esta fria e chuvosa manhã de abril, pois ela há de ter deixado o leitor aborrecido com a vida e com toda a raça de cronistas.

Quanto à crônica... bem, vai ter que ficar para a próxima quinzena. Gastei o espaço que tinha só na introdução (isso é que é ser conciso!). Vou deixar os leitores e as leitoras roendo unha de tanta ansiedade! Mas, como não confio na memória de vocês, recomendo que anotem a data num papelzinho: 21.05.25.  Aqui estarei, esperando, e ficarei muito decepcionado se vocês não aparecerem.

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Algumas notícias

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Uma senhora famosa vai se casar ─ pela sétima ou oitava vez, se não me engano. Isso no papel, sem contar as tentativas que não chegaram ao cartório. Marido ela tem encontrado com facilidade, difícil é a escolha do vestido de noiva. Nenhum dos modelos apresentados desta vez obteve a sua aprovação, e o estilista que a atende nessas circunstâncias não está conseguindo criar uma obra de arte à altura do acontecimento, posto que o tal acontecimento tem se repetido com demasiada frequência.  

Uma senhora famosa vai se casar ─ pela sétima ou oitava vez, se não me engano. Isso no papel, sem contar as tentativas que não chegaram ao cartório. Marido ela tem encontrado com facilidade, difícil é a escolha do vestido de noiva. Nenhum dos modelos apresentados desta vez obteve a sua aprovação, e o estilista que a atende nessas circunstâncias não está conseguindo criar uma obra de arte à altura do acontecimento, posto que o tal acontecimento tem se repetido com demasiada frequência.  

Creio que, não sendo possível trocar de estilista, a melhor solução seria trocar de marido. Com duas vantagens: enquanto o costureiro (sem querer ofender) estiver botando cabeça, agulhas e tesouras para funcionar, ela estará disponível para iniciar um novo romance e conquistar outro coração, com o qual poderá brilhar mais uma vez (mas não a última) vestida de branco, cor da pureza. Quanto ao noivo descartado... bem, ele que vá procurar um par de chinelo velho para seu pé cansado.

Uma empresa está criando modelos gêmeos para desfiles e campanhas publicitárias. Já explico: ao invés da mesma bela mulher exibir seus encantos em diferentes lugares, ou posar para várias fotos, ela será substituída por cópias suas, criadas pela inteligência artificial. Gisele Bündchen, por exemplo, embora tão linda, não possui o dom da ubiquidade, e só pode estar em um lugar de cada vez. Mais prático seria ter muitas Giseles Bündchens, presentes no mesmo instante no Rio de Janeiro, Nova York, Hanói e Copenhage e onde mais se queira vê-la, aplaudi-la e comprar o que ela anuncia e valoriza. Às vezes nem precisamos do que compramos, mas resistir à beleza feminina, ainda que clonada, quem há de?

Os modelos estão animados com a venda da imagem, o que os livrará de inúmeras viagens, de passarelas infindáveis, cansativas sessões de fotografia. Uma vez só e, quase sem sair de casa, continuarão encantando o mundo inteiro. Como nada é perfeito, fotógrafos e outros profissionais do ramo publicitário estão arrancando os cabelos de preocupação com a diminuição das oportunidades de trabalho. Que se há de fazer? Às vezes um perde e outro ganha, às vezes só um ganha e muitos perdem. Se assim é no mundo dos mortais, que dirá no mundo das estrelas. Que venham as múltiplas Giseles Bündchens!

Descoberta a identidade de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield. Talvez você nunca tenha ouvido falar nele, mas é o nome que consta de muitos documentos no Estado de São Paulo, onde esse senhor foi juiz por mais de 40 anos. Parece coisa de novela de espionagem, pois na realidade o Meritíssimo chama-se José Eduardo Franco dos Reis. Por quatro décadas, ele manteve diluída sua verdadeira identidade, julgando haver mais nobreza em ser inglês do que brasileiro, em ser filho de Richard Lancelot Canterbury Caterham Wickfield e Anna Marie Dubois Vincent Wickfield, como consta de seus documentos, do que de seu José e de dona Vitalina, seus verdadeiros pais.

No mundo paralelo de Edward Albert/José Eduardo, todos os seus antepassados viveram em palácios na Inglaterra, e não em casas modestas, na cidade paulista de Águas da Prata. Ou seja: é melhor ser londrino do que água-pratense. Com o pomposo nome britânico, estudou, fez concurso, tornou-se juiz, ocupou cargos no judiciário e se aposentou. No entanto, não teve a sorte de ser eternamente igual a Clark Kent, que consegue ser ao mesmo tempo o Super-Homem; ou a Bruce Wayne que, quando necessário, transforma-se em Batman. Edward foi tirar segunda via da carteira de identidade e aí, como dizem os brasileiros “deu ruim” (inglês jamais diria tamanha vulgaridade). Do alto de sua vitoriosa carreira de magistrado, o brasileiríssimo Zé Eduardo foi apanhado num vulgar exame de impressão digital. Assim é, se lhe parece, diria Shakespeare. E a Zé Eduardo parecia melhor ser concidadão do Rei Charles do que de Jeca Tatu. Enfim, noblesse oblige. 

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Sobre o elogio

quarta-feira, 09 de abril de 2025

Uma virtude reconhecida ou, melhor ainda, inventada, pode render um aumento de salário

Passei por uma pessoa a quem conheço há tempos, porém superficialmente, e ela me fez um inesperado elogio. Era um dia de sol quente e pode ser que, em consequência do calor, o cérebro dela não estivesse funcionando muito bem. Mas levei suas palavras a sério, porque elogio é sempre bom, mesmo quando não merecido, ou talvez sobretudo quando não merecido, como era o caso.

Uma virtude reconhecida ou, melhor ainda, inventada, pode render um aumento de salário

Passei por uma pessoa a quem conheço há tempos, porém superficialmente, e ela me fez um inesperado elogio. Era um dia de sol quente e pode ser que, em consequência do calor, o cérebro dela não estivesse funcionando muito bem. Mas levei suas palavras a sério, porque elogio é sempre bom, mesmo quando não merecido, ou talvez sobretudo quando não merecido, como era o caso.

Acho que não sou diferente dos demais seres humanos: gosto de ser elogiado e detesto ser criticado. Mas tento enfrentar uma coisa e outra com serenidade, pois frequentemente ambas têm ao menos um pouco de verdade. Quando nasci, minha santa mãe, ao me ver pela primeira vez, estando ainda um pouco tonta, deve ter dito “Ele é tão bonito!” Bem, talvez até os dois ou três anos. Depois o tempo se encarregou de desmentir as palavras maternas.

Os políticos, por exemplo, além de useiros e vezeiros em exaltar a si mesmos como os mais honestos, os mais competentes, os mais de tudo que é bom, também nomeiam assessores que não têm nenhuma outra função senão a de elogiar o chefe. Quase sempre a opinião pública pensa exatamente o oposto (o que não a impede de votar neles). Agora mesmo Trump e Musk andam dizendo maravilhas um do outro, os dois se considerando mutuamente como o mais alto grau de perfeição a que pode chegar um ser humano.

Mas nem tudo são flores, mesmo no reino dos poderosos. Consultado por um usuário, o programa de inteligência artificial conhecido como Gronk respondeu que o maior divulgador de desinformação no mundo digital, o fakenewsqueiro por excelência é Elon Musk. O Gronk pertence ao próprio Musk! Não sei se ele vai demitir a diretoria ou desativar o programa. Incompetentes! Chefe existe para ser admirado, e não para ser criticado. O puxa-saquismo é uma instituição universal, e o bajulador uma das mais valiosas presenças em todos os níveis de relacionamento, especialmente quando se trata do universal binômio patrão-empregado. Uma virtude reconhecida ou, melhor ainda, inventada, pode render um aumento de salário, ou mesmo a salvação do emprego. Já uma crítica, mesmo que bem intencionada...

Antes da televisão, quando as emissoras de rádio dominavam os lares e bares do Brasil, eram os narradores de futebol que permitiam que os ouvintes “vissem” o jogo. Um dos mais famosos foi Oduvaldo Cozzi, um craque da palavra, que apelidou Nilton Santos de “Enciclopédia do Futebol”, e assim definiu o clima no Maracanã, após a derrota do Brasil para o Uruguai em 1950: “Um silêncio ensurdecedor.” Um dos bordões de Cozzi era gritar “impedidoooo!”, quando um jogador estava irregularmente na área adversária. Diz a lenda que certa vez um repórter de campo ousou discordar do chefe: “Não, Cozzi, o atleta estava em posição legal”. Imediatamente ouviu a resposta: “Despedidoooo!”.

Mas toleremos o bajulador, pelo menos aquele inofensivo, que o próprio elogiado não leva muito a sério, e que por isso mesmo não faz mal a ninguém. Triste e perigoso é quando isso alcança as raias do fanatismo, que é o puxa-saquismo elevado à sua potência máxima. No Brasil e em grande parte do mundo estamos vendo isso acontecer. Pessoas em geral tão sensatas, tão equilibradas no dia a dia de suas vidas ficam irreconhecíveis quando falam dos líderes políticos nos quais votam e que elegem como inspiradores supremos de suas crenças ideológicas. Veem neles todas as virtudes, com a mesma intensidade com que só encontram defeitos nos seus adversários. Toda paixão cega, e a paixão política é a uma espécie de cegueira. E das piores.

Bom seria se não nos esquecêssemos da sábia sentença do Marquês de Maricá: “Nenhum homem é tão bom como seu partido o apregoa, nem tão mal como o contrário o representa”.

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Ao rés do chão

quarta-feira, 26 de março de 2025

A Inteligência Artificial será o Deus desses novos tempos

A Inteligência Artificial será o Deus desses novos tempos

Talvez vocês não saibam, mas muitas pessoas acreditam que, sobrevoando este pequeno grão de areia em que vivemos, existe uma versão melhorada de seres humanos. Gente como nós, porém muito mais evoluída em todos os sentidos: espiritual, moral, científico e assim por diante. Embora geograficamente afastados, são nossos parentes próximos, pois descendem como nós de Adão e Eva.  Com o passar dos milênios, no entanto, foram se aperfeiçoando, enquanto nós, que ficamos aqui, ao rés do chão, nos esquecemos que somos seres de luz, e vivemos como sombras daquilo que poderíamos ser.

É o que me conta, com entusiasmo, meu amigo eubiota. Explico: eubiota é o adepto da eubiose, doutrina que (simplificando demais) propõe que levemos uma vida em harmonia com as leis do universo e assim nos tornemos pessoas mais conscientes, mais iluminadas e, portanto, mais felizes. Segundo ele tem me explicado, é nas profundezas do planeta que vivem as comunidades dessa versão melhorada de nós mesmos. Esses seres do interior (no sentido exato da palavra) sobem de vez em quando para verificar como andam as coisas por aqui e, por certo decepcionados, voltam para a profundidade onde moram. Limitam-se, segundo meu informante, a trocar figurinhas com o governo americano, que os recebe secretamente e com eles mantém relações diplomáticas. O que, aliás, explica os discos-voadores.

Provoco-o, dizendo que eles devem ter um sistema de refrigeração de primeiríssima qualidade, porque o calor lá embaixo deve bater nos mil graus. No inverno. Ele reage a isso com tolerância. Afinal, minha incredulidade apenas prova que eu sou mais um ignorante, em meio aos bilhões que desconhecem os ensinamentos eubióticos. Ele me garante que, ao contrário, no coração do planeta também existem praias, florestas, cores e luz.

Ele pode ter razão sobre minha ignorância, mas me consolo pensando que a maioria vive na mesma escuridão que eu. Contudo, não desconheço que, como disse um tal Hamlet, há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia. Ou, como ouvi de um cidadão que censurava seu colega de trabalho: “Tu sabe tudo, mas tem coisa que tu não sabe”.

Não, não sou totalmente incrédulo. Com relação ao mundo material, gosto das coisas que possam ser vistas e tocadas. Quanto ao mais, sou apenas um pouco precavido. Li há alguns dias o livro “Sapiens – uma breve história da humanidade”, em que o historiador israelense Yuval Harahi explica como viemos dando cabeçadas através de milhões de anos, para resultar no que somos e no que construímos, no que deixamos de ser e no que destruímos. Mais do que isso, Harahi olha para a frente e faz previsões espantosas. Uma delas: A inteligência artificial tem evoluído tanto e demonstrado tamanho potencial para continuar evoluindo por conta própria que não é loucura acreditar num futuro em que ela terá criado uma nova espécie de gente (ou seja, lá o que for), que substituirá o atual ser humano. Em outras palavras, a IA criará sua própria “humanidade”, e a que até agora habitou o mundo deixará de existir. A Inteligência Artificial será o Deus desses novos tempos.

Parece conversa de doido, mas o que pensariam os nossos antepassados, digamos, dois mil anos atrás, se alguém lhes dissesse que no futuro: a) máquinas voariam pelo espaço; b) as pessoas poderiam se ver e falar, mesmo estando a milhares de quilômetros umas das outras; c) uma voz nos ensinaria o caminho a seguir quando estivéssemos dentro de um carro; d) tal carro seria capaz de mover-se e guiar-se por si mesmo;  e) um coração velho ou doente poderia ser trocado por outro em melhores condições; f) um foguete levaria terrestres à lua; g) o homem criaria uma forma de inteligência que se tornaria mais inteligente do que o próprio homem; h) um filme brasileiro ganharia o Oscar e i) o mais espantoso de tudo: o Botafogo seria campeão nacional e continental num mesmo ano? 

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Fernanda

quarta-feira, 12 de março de 2025

Essa carência brasileira que Nélson Rodrigues chamou de nosso complexo de vira-lata

Essa carência brasileira que Nélson Rodrigues chamou de nosso complexo de vira-lata

Não tenho acompanhado isso muito de perto, mas parece que sai nos próximos dias o resultado do Oscar. Eu até podia deixar para escrever mais tarde, quando já soubermos quem são os vencedores. Mas não é tanto isso que me importa, embora eu esteja torcendo pelo filme brasileiro e por Fernanda Torres, sabendo a importância e a repercussão desse prêmio. Achei “Ainda estou aqui” um filme tocante, extremamente bem feito, merecedor de quantos prêmios vier a ganhar (já são trinta e oito no exterior). Quanto a Fernanda Torres, parece que foi necessário todo esse sucesso internacional para o Brasil descobrir a grande atriz que tem (e sendo filha de quem é).

Recentemente vi uma declaração da americana Glen Close, que concorreu ao Oscar com a outra Fernanda, a Montenegro. Ambas perderam para uma estrela modesta, que depois ficou mais ou menos esquecida. Glen Close disse não ter se importado em perder, e que ter concorrido já era uma honra. E acrescentou: “O que eu não entendo é como o prêmio não foi dado àquela excelente atriz brasileira”.

Antes de continuar, lembro que Fernanda Torres é também ótima escritora, com dois livros que bem merecem ser lidos: “Fim” e “A glória e seu cortejo de horrores”. Mas o que eu queria mesmo falar é sobre essa carência brasileira que Nélson Rodrigues chamou de nosso complexo de vira-lata. Se a famosa estatueta vier ou não para o Brasil, isso muda a qualidade do filme ou da atriz? Não basta que milhões de brasileiros tenham gostado? Não basta que algo seja bom e significativo para nós, ainda que só para nós? É preciso a chancela dos outros, sobretudo a dos americanos? Temos escritores, músicos, cientistas, professores em vários lugares do mundo, realizando trabalhos notáveis e reconhecidos lá fora, mas que nada significam para nós porque não receberam esta ou aquela premiação estrangeira (ou não ficamos sabendo que receberam).

Desde “Os cangaceiros”, o cinema brasileiro vem acumulando dezenas e dezenas de troféus internacionais. “Orfeu Negro”, 99% brasileiro, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, mas concorreu como francês, porque o produtor e diretor eram franceses. De nada adiantou ter nos créditos nomes como Vinícius de Morais, Tom Jobim, Luis Bonfá, Breno Melo, Léa Garcia, Lourdes de Oliveira e tantos outros. José Saramago achava que Jorge Amado era o escritor de língua portuguesa que deveria receber o Nobel de Literatura. Quantos levaram o Prêmio Nobel da Paz, ainda que contribuindo menos para ela do que os indicados e ignorados Zilda Arns e Dom Hélder Câmara?

Outros povos reverenciam seus machados de assis, seus ruis barbosas, seus castros alves, suas cecílias meireles, nós os consideramos de segunda linha. Afinal, não escreveram em inglês ou, pelo menos, em francês, em espanhol que seja. João Ubaldo Ribeiro, para ficar em um só exemplo, recebeu pelo menos oito grandes prêmios, inclusive na Alemanha e na Suíça, sem falar no conceituadíssimo Prêmio Camões. Não mencionarei Guimarães Rosa, basta dizer que um tradutor alemão levou nove anos passando “Grande Sertão – Veredas” para o seu idioma. Recentemente uma influenciadora americana leu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Saiu gritando que era o melhor livro do mundo e que ia estudar português para ler no original.

Mas nada disso vale nada.  Se não ganharmos o Oscar, continuaremos com nosso complexo de vira-lata e achando nosso cinema um fracasso e nossos atores uns canastrões.

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Não conte para ninguém

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

       Juliano chega em casa e desabafa com a mulher, Isadora.

       ─ Sabe o Pauloca, lá do escritório, um que cuida dos computadores?

       ─ Mais ou menos. Que que tem ele?

       ─ Levou a maior bronca do Dr. Camargo. Imagina que ele se irritou com os computadores e começou a rasgar papel. Você sabe como o Dr. Camargo é. Ficou uma fera e repreendeu o funcionário em público. Mas, olha, não conta isso pra ninguém, que eu não quero confusão com Pauloca, que é meu colega e amigo há mais de dez anos.

       Juliano chega em casa e desabafa com a mulher, Isadora.

       ─ Sabe o Pauloca, lá do escritório, um que cuida dos computadores?

       ─ Mais ou menos. Que que tem ele?

       ─ Levou a maior bronca do Dr. Camargo. Imagina que ele se irritou com os computadores e começou a rasgar papel. Você sabe como o Dr. Camargo é. Ficou uma fera e repreendeu o funcionário em público. Mas, olha, não conta isso pra ninguém, que eu não quero confusão com Pauloca, que é meu colega e amigo há mais de dez anos.

       ─ Claro que não vou contar. Eu mal conheço esse tal Pauloca.

       Na manhã seguinte, Isadora sai da academia com sua amiga Catarina.

       ─ Juliano chegou em casa ontem chateado. Problema lá no escritório. Parece que o Dr. Camargo surpreendeu o técnico em computador, Pauloca, levando uma resma de papel para casa. Acho que foi isso. Falei para ele não esquentar a cabeça com problemas do Pauloca, já bastam os nossos. Mas, olha, não conta isso pra ninguém, que eu não quero que Juliano se aborreça ainda mais com essa história.

       ─ Claro que eu não vou contar. Pra falar a verdade, nunca vi esse Pauloca mais gordo.

       Catarina à tarde está no motel com o namorado, João Vítor. Depois do depois, pergunta se ele conhece a empresa de um tal Dr. Camargo.

       ─ Conheço. Camargo & Camargo. Até estagiei lá.  Será que tão precisando de advogado? Tô procurando emprego.

       ─ Isso eu não sei. O que minha amiga Isadora me contou é que o marido dela soube que anda sumindo coisa lá no escritório. Parece que um tal Pauloca roubou um computador da firma. Roubar computador! Se ainda fosse dinheiro! Mas não conta isso pra ninguém, que Isadora me pediu segredo.

       ─ Eu sou lá de fazer fofoca? Esse negócio de leva-e-traz é coisa de mulher!

       No domingo, João Vítor vai ao shopping com a outra namorada, Maristela, que também é técnica em computador.

       ─ Essa tua profissão, hein! Tem um colega seu roubando firme do patrão. Não me lembro bem o que me falaram, mas parece que um tal Pauloca está desviando dinheiro grosso dos Camargos! Desse jeito, vai acabar dono de metade da firma. Vê se segue o exemplo dele e termina aquela obra lá na tua casa! Mas não conta isso pra ninguém, que eu nem lembro quem me passou essa história.

       ─ Que isso, João Vítor? Eu sou lá alguma fofoqueira? Amanhã nem me lembro de mais nada.

       Dois dias depois, Maristela vai ao shopping com a amiga Anamara.

­─ Me contaram que na Camargo & Camargo um tal Pauloca superfaturou tanto nas obras que a construtora está à beira da falência. Pior que esse cara já era dono de metade da empresa. Tem necessidade?! Agora, faz favor de não contar isso pra ninguém: eles que são brancos que se entendam!

       ─ Querida, eu sou um túmulo. Falou comigo, enterrou o assunto.

        Mal saem do shopping, Anamara telefona para seu primo Adalberto.

       ─ Priminho, você nem sabe o que eu descobri. Soube por uma fonte fidedigna que não demora muito você perde o emprego, porque, do jeito que um colega seu chamado Pauloca tá desviando dinheiro, em pouco tempo a empresa fecha as portas! Só te peço pra não espalhar a notícia, pra não comprometer a minha fonte.

       ─ Que contar, que contar! Vou é fechar a boca mais ainda! Bem que eu nunca confiei nesse Pauloca, futicando os computadores da gente! Só não denuncio porque ele é casado e tem dois filhos. O patrão é que trate de ficar de olho!

       Na manhã do outro dia, enquanto Pauloca mexe em um computador, Adalberto reúne os colegas atrás de uns armários do escritório.

       ─ Gentes, tenho uma coisa pra contar que vocês nem vão acreditar...

..........................

       ─ Deitados na cama, Pauloca desabafa com a mulher, Rosa Maria:

       ─ Não sei o que está acontecendo no escritório. Tá todo mundo me olhando esquisito. Tem colegas que há dias não falam comigo. E, ainda por cima, o Dr. Camargo me mandou ir à sala dele amanhã de manhã. Que será que tá havendo?

        Rosa Maria, mais dormindo que acordada:

       ─ Se preocupa não, amor. Vai ver que vão te dar um aumento de salário.

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Histórias alheias

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Tudo depende de como se conta

Com todo respeito aos autores (que já não podem me contestar), contarei hoje três histórias que não são de minha autoria, como fica declarado desde o título. Eu as conheci lendo algum livro ou revista, ouvindo alguém contar ou juntando pedaços de filmes a que assisti. Talvez esquecendo um pouco, ou inventando outro tanto. Mas, na essência, são assim mesmo.

Tudo depende de como se conta

Com todo respeito aos autores (que já não podem me contestar), contarei hoje três histórias que não são de minha autoria, como fica declarado desde o título. Eu as conheci lendo algum livro ou revista, ouvindo alguém contar ou juntando pedaços de filmes a que assisti. Talvez esquecendo um pouco, ou inventando outro tanto. Mas, na essência, são assim mesmo.

A primeira é do escritor W. Somerset Maughan e serve de epígrafe ao livro “Encontro em Samarra”, de John O´Hara. Vamos a ela. Um rico mercador manda seu empregado à feira. Chegando lá, o homem esbarra em uma mulher. Quando ela se vira, ele reconhece que tem diante de si a Morte em pessoa. Apavorado, volta correndo e pede ao seu patrão que lhe dê um cavalo para que ele possa fugir para Samarra, onde a Morte não o encontrará. E parte em disparada.

O mercador vai então à feira e, encontrando a Indesejada das Gentes, lhe pergunta por que ela havia assustado o pobre criado. Resposta da Morte: “Eu não quis assustá-lo, apenas fiquei surpresa de encontrá-lo aqui, pois tenho um encontro com ele hoje à noite em Samarra”.

Moral da história: dela ninguém escapa.

Segunda história. Uma pesquisadora americana estava investigando sua árvore genealógica quando se deparou com um criminoso entre seus antepassados. No velho oeste, o homem tinha sido ladrão de gado e assaltante de trem. Preso, passou alguns anos na cadeia, mas, quando libertado, voltou ao mundo do crime. Novamente capturado, balançou na forca em praça pública, sob gritos e aplausos da população aliviada.

A pesquisadora, sabendo que um senador era do mesmo ramo da família, mandou perguntar se ele tinha alguma informação sobre aquele parente. Ela teve a prudência de não informá-lo sobre o que já tinha descoberto. O ilustre homem público respondeu que se tratava de alguém que havia se dedicado aos negócios ferroviários e de criação de gado. Mudando de atividade, durante algum tempo estivera trabalhando num órgão do governo. Encerrado aquele período, voltou às atividades anteriores, só as deixando por ocasião de sua morte, aliás assistida por grande número de pessoas, que lotaram o centro da cidade para dele se despedir.

Moral da história: tudo depende de como se conta.

Para terminar. Durante a Guerra Civil americana, foi inaugurado em Getttysburg um cemitério em memória dos mortos na batalha sangrenta e decisiva ali travada contra os Confederados. Encarregado das providências, o governador da Pensilvânia pediu a um advogado famoso que fizesse o discurso. Depois de muita demora, o discurso ficou pronto, e só então, duas semanas antes da data marcada, se lembraram de convidar o Presidente Lincoln.

O discurso do advogado durou duas horas e caiu no merecido esquecimento. Lincoln falou por dois minutos, e suas palavras ficaram para a História. O discurso terminou com a frase célebre e nunca suficientemente repetida: “Que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”.

Moral da história: não importa o quanto se fala, e sim o quê e como se fala.

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Terríveis perguntas

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Sem ao menos me pedir licença, caíram de tapas em cima de mim

Morávamos há pouco tempo em Olaria ─ eu tinha entre sete e oito anos ─ quando levei uma surra inesquecível. Felizmente, o fato nunca se repetiu, com igual, maior ou menor intensidade. Talvez eu tenha merecido outras vezes, mas como sou prudente até a covardia, sempre evitei as situações de confronto, sobretudo os confrontos físicos, pois desde cedo reconheci que eu não era nenhum Tarzan ou Super-Homem, nem mesmo o modesto Sargento Garcia, célebre adversário do Zorro.

Sem ao menos me pedir licença, caíram de tapas em cima de mim

Morávamos há pouco tempo em Olaria ─ eu tinha entre sete e oito anos ─ quando levei uma surra inesquecível. Felizmente, o fato nunca se repetiu, com igual, maior ou menor intensidade. Talvez eu tenha merecido outras vezes, mas como sou prudente até a covardia, sempre evitei as situações de confronto, sobretudo os confrontos físicos, pois desde cedo reconheci que eu não era nenhum Tarzan ou Super-Homem, nem mesmo o modesto Sargento Garcia, célebre adversário do Zorro.

O bairro era então pequeno e sossegado, de modo que minha mãe me permitiu a aventura de circular sozinho por ali. Lá ia eu desbravando a região, quando surgiram à minha frente três garotos que eu nunca tinha visto antes nem voltei a ver depois. Sem mais nem menos, sem ao menos me pedir licença, caíram de tapas em cima de mim. Voltei para casa chorando, minha santa mãe me colocou numa bacia com água morna e me deu um banho que secou minhas lágrimas.

A pergunta que até hoje me faço é: por que eles me atacaram? Eu nem sequer morava ali há tempo suficiente para dar motivo àquela agressão que, além de gratuita, era covarde, com três batendo e só um apanhando. O que me lembra outro acontecimento, esse da infância de meu filho. Eu estava assistindo a um faroeste na televisão, soldados americanos e índios trocavam tiros e flechadas. Leonardo então me perguntou por que eles estavam brigando. Eis aí uma pergunta que não tem resposta satisfatória: por que eles estão brigando?

É a mesma que se pode fazer quando se assiste ao noticiário ou se lê o jornal atualmente. O mundo é tão grande, tem lugar para todos os bilhões de seres que se movem sobre ele. Então o que justifica que tantos soldados se matem, tantos prédios desabem sob bombas, tantas crianças morram e tantas mães chorem? Alimentos sobram, o que se desperdiça é de uma enormidade assustadora, e nem por isso a fome diminui. Doentes e remédios com data vencida são jogados fora. Li que o planeta enfrenta no momento pelo menos sete guerras, algumas mais conceituadas, como a do Oriente Médio, e outras com menos mídia, na África e em regiões periféricas. Isto é: periféricas em relação aos países ricos e poderosos.

Ninguém ignora as razões históricas desses conflitos. Na Palestina eles remontam aos tempos bíblicos. Mas muitos países que hoje posam de civilizados deram um passeio pelo mundo, arrasaram povos, terras e riquezas por onde passaram e agora se espantam com o refluxo da história, na forma de milhões de imigrantes famintos e desesperados. A lei do eterno retorno não costuma falhar.

Por que as pessoas ignoram o sofrimento alheio, se agridem e se matam? Sim, por que eles estão lutando? Quando soubermos a resposta para essas terríveis perguntas, teremos enfim encontrado a paz, sonho que se comemora a cada primeiro de janeiro, Dia Mundial da Paz, data em que, hoje, no sossego de minha casa, escrevo esta humilde crônica.

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