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Para não cair na indiferença

terça-feira, 27 de abril de 2021

Há na Esmolaria Apostólica, um departamento da Cúria Romana, uma fotografia icônica: noite de inverno, pessoas bem agasalhadas com casacos de pele, alegres e satisfeitas saindo de bons restaurantes e um desabrigado, faminto e com frio deitado ao chão. O registro fotográfico foi capaz de capturar com maestria o descaso e a indiferença das pessoas que desviavam o olhar do pobre homem jogado na sarjeta.

Há na Esmolaria Apostólica, um departamento da Cúria Romana, uma fotografia icônica: noite de inverno, pessoas bem agasalhadas com casacos de pele, alegres e satisfeitas saindo de bons restaurantes e um desabrigado, faminto e com frio deitado ao chão. O registro fotográfico foi capaz de capturar com maestria o descaso e a indiferença das pessoas que desviavam o olhar do pobre homem jogado na sarjeta.

Este é apenas um dentre inúmeros registros da falta de humanidade e de compaixão a que somos capazes. Ser indiferente não quer dizer, necessariamente, ser mal. Podemos ser pessoas muito boas com os que convivem conosco, com os que estão na mesma situação moral e social que nós, mas ainda assim a indiferença é capaz de ferir mortalmente a humanidade.

No próprio Evangelho podemos observar a cultura da indiferença impregnada no agir humano. Os evangelistas ao narrarem a multiplicação dos pães são unânimes em destacar a preocupação dos discípulos com a falta de alimento: “Despede a multidão, para que vá aos povoados e campos vizinhos procurar pousada e alimento” (Lc 9, 12). Neste posicionamento dos discípulos quase que os ouvimos dizer: “Não é problema nosso alimentar essa gente”.

Não quero dizer que os discípulos fossem maus. Eles não se preocupavam com a multidão, mas sim com o seu próprio bem-estar e também de Jesus. Mas a resposta de Jesus – “dai-lhes vós mesmo de comer” (Lc 9,13) – os ensina a prestar mais atenção às necessidades das pessoas, sobretudo das mais pobres.Quantas vezes mudamos nosso olhar de direção para não nos ferirmos com a miséria do outro? Ou quantas vezes somos incapazes de sentir a dor do outro?

Ainda o testemunho bíblico nos alerta para o abismo que criamos entre nós. Jesus, em um de seus discursos, conta a parábola do mau rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31). O rico, mergulhado em sua individualidade dava inúmeros banquetes, vestia-se com roupas finas e caras, mas era incapaz de prover o bom sustento para o pobre Lázaro que ficava à sua porta.

Podemos ainda lembrar o Cego Bartimeu (cf. Mc 10, 46-52) que, sentado à beira do caminho, ao ouvir que Jesus se aproximava gritava para que tivesse piedade dele, era repreendido para que se calasse, pois incomodava. Poderíamos narrar aqui tantas outras situações em que, fechados em nossos projetos, realizações e comodismo, fomos indiferentes às necessidades dos demais. Vivemos uma era em que a informação chega a nós com eficaz velocidade, porém, ainda estamos insensíveis.

O Papa Francisco, relembrando sua primeira visita à ilha italiana de Lampedusa cunhou a expressão “globalização da indiferença”. E no contexto da pandemia refletiu: “Talvez nós hoje aqui em Roma estejamos preocupados porque ‘parece que as lojas estão fechadas, tenho que comprar isto, e parece que não posso passear todos os dias, e parece que...’: preocupados com as minhas coisas. E esquecemos as crianças famintas, esquecemos aquela pobre gente que nos confins dos países buscam a liberdade, aqueles migrantes forçados que fogem da fome e da guerra e encontram somente um muro, um muro feito de ferro, um muro de arame farpado, mas um muro que não os deixa passar. Sabemos que isto existe, mas não chega ao coração... Vivemos na indiferença: a indiferença é o drama de estar bem informado, mas não sentir a realidade dos outros.” (Homilia, 12 de março de 2020).

Sigamos o exemplo do coração de Jesus que viu a necessidade da humanidade e se compadeceu, não se fez indiferente.

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Padre Aurecir Martins de Melo Junior é assessor diocesano da Pastoral da Comunicação. Esta coluna é publicada às terças-feiras

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Confiança

terça-feira, 20 de abril de 2021

Buscando o verbete ‘confiança’ no dicionário encontraremos, entre tantas, a seguinte definição: “Crença ou fé de que determinadas expectativas se tornarão realidade; esperança”.

Em tempo de pandemia, lutamos todos os dias para superar as contrariedades do tempo e cultivar em nossos corações a certeza de que tudo se transformará para o bem. Contudo, a tentação de assumirmos o domínio, de termos o controle de tudo, é constante.

Buscando o verbete ‘confiança’ no dicionário encontraremos, entre tantas, a seguinte definição: “Crença ou fé de que determinadas expectativas se tornarão realidade; esperança”.

Em tempo de pandemia, lutamos todos os dias para superar as contrariedades do tempo e cultivar em nossos corações a certeza de que tudo se transformará para o bem. Contudo, a tentação de assumirmos o domínio, de termos o controle de tudo, é constante.

O livro do Gêneses relata bem essa ambição. A serpente ao tentar a mulher, não encontrou melhor argumento do que lhe prometer a igualdade com Deus: “E sereis como deuses…” (Gn 3,5). Eva não hesitou, tomou o fruto e comeu (cf. Gn 3,6). O relato bíblico evidencia que o coração do homem, mesmo antes de ser ferido pelo pecado, se deixa apetecer com o sonho de ser “como deus”, de ser senhor de si, de não depender de nada e de ninguém.

A voz sedutora da serpente continua a ecoar, insistentemente, no coração da humanidade, que inebriada pelo desejo de imortalidade, alimenta a esperança de solucionar, por suas próprias capacidades, todos os problemas do mundo. Contudo, quando algo foge de nosso controle, facilmente aloja-se o desespero e a angústia. Diante do grande mistério da morte, a humanidade contempla sua impotência e fragilidade.

Quando tudo parece não ter mais jeito, somos levados a colocar nossa esperança em algo ou alguém que foge a lógica deste mundo. Neste Tempo Pascal celebramos a vitória da vida sobre a morte. Jesus, Deus e homem, ressurge da morte para dar vida a todos os que nele esperam. Na sua ressurreição temos alimentada a esperança de um mundo novo.

Somos chamados a nos abandonarmos com confiança em Deus em cada momento da nossa vida, especialmente na hora da provação e da perturbação, na certeza de que Ele nos fará ressurgir das trevas do medo.

O Papa Francisco ao refletir sobre esta grande tempestade que assola o mundo inteiro exorta: “Quando sentimos fortemente a dúvida e o medo e parece que estamos afundando, não devemos ter vergonha de gritar, como Pedro: ‘Senhor, salva-me!' (cf. Mt 14,22-36). É uma bela oração! E o gesto de Jesus, que imediatamente estende a mão e agarra a do seu amigo, deve ser contemplado durante muito tempo: Jesus é a mão do Pai que nunca nos abandona; a mão forte e fiel do Pai, que sempre e só quer o nosso bem” (Angelus, 9 de ago. 2020).

Nele é que devemos por nossa confiança. Ele é o Ressuscitado, o Senhor que passou pela morte para nos salvar. Ele que se fez próximo de nós, que nos chamou a fazer parte do seu Reino.

Busquemos fazer a experiência de nos abandonarmos nas mãos daquele que tudo sabe e tudo pode. Somos um pequeno grão de areia na imensidão do amor misericordioso de Deus. Ele está sempre presente ao nosso lado, disposto a nos reerguer das nossas quedas, nos faz crescer na fé e sustentar nossa esperança, basta estendermos a mão e gritar: “Senhor, salva-me”.

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Padre Aurecir Martins de Melo Junior Assessor Diocesano da Pastoral da Comunicação

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Ressurreição: o nosso Deus é um Deus vivo!

terça-feira, 13 de abril de 2021

Entre as sombras da dúvida, do nada, do silêncio do peito, do esvaziamento do cosmo, surge a vida! O glorioso Sol rasga as trevas, numa manhã solene de ressurreição! O túmulo vazio. Os guardas atônitos. Os apóstolos vibrantes de certeza! "Nosso Cristo está vivo”! Os materialistas repetem desde sempre a mesma mentira: " Roubaram o corpo"; " Jesus Cristo foi apenas um homem contra o sistema e está morto", Míopes em suas mancas afirmações e adoradores da surda-muda matéria, teimam em não sair de suas cavernas frias para a luz aquecedora do amor de Cristo.

Entre as sombras da dúvida, do nada, do silêncio do peito, do esvaziamento do cosmo, surge a vida! O glorioso Sol rasga as trevas, numa manhã solene de ressurreição! O túmulo vazio. Os guardas atônitos. Os apóstolos vibrantes de certeza! "Nosso Cristo está vivo”! Os materialistas repetem desde sempre a mesma mentira: " Roubaram o corpo"; " Jesus Cristo foi apenas um homem contra o sistema e está morto", Míopes em suas mancas afirmações e adoradores da surda-muda matéria, teimam em não sair de suas cavernas frias para a luz aquecedora do amor de Cristo.

Os nossos domingos já não podem ser os mesmos! Existe um brilho diferente no ar, na calma da natureza apoteótica a bradar aleluia! Como naquele dia luminoso, aos olhos perplexos dos discípulos, o Senhor se elevava aos céus e prometia o seu espírito e a sua nova vinda para recolher.

Mas se este Jesus está vivo, por que aparece ainda pregado na cruz? Pode alguém perguntar. A cruz é o símbolo do gesto máximo do amor de Cristo por nós. É a recordação de quanto custou ao Deus feito homem a nossa libertação: sua vida, seu sangue, seu martírio. Se alguém dá a vida por nós, não podemos esquecer tal ato. O sacrifício da cruz é o grande sinal do amor cristão, o amor que não só vibra com a festa da vida, mas se solidariza e se doa nos sofrimentos e cruzes do irmão.

Para nós, católicos e demais cristãos, Jesus está vivo, sim, presente entre nós, Ressurreto, fulguroso e poderoso, mas sabemos o quanto sofreu por nós e, por isso, a sua cruz é para todos um instrumento símbolo de salvação.

Nestes ventos de ressurreição, devemos nos perguntar sobre nossos passos, sobre nossos rumos, sobre nossos corações... A luz que se acendeu há quase dois mil anos não se apagou... Ela se multiplica nos círios, no peito, nos sacrários do mundo inteiro, na chama da fé dos povos, na esperança ígnea que não se prostra nem mesmo com as bombas e perseguições, nem com as explosões de neon do ateísmo, do capitalismo selvagem. Ela se expande no brilho simples da verdade que quebra os sofisticados e ocos sofismas, meticulosamente talhados nas indústrias da exploração humana.

Este Deus vive entre nós. Vive em nós. Sua ação pasma a história, abrindo o mar com mão firme, curando toda enfermidade, transformando água em vinho, transubstanciando o próprio vinho em seu sangue, o pão em sua carne: eucaristia-ressurreição! Os véus do templo se rasgam de cima a baixo. Seu sudário permanece de século em século, questionando a análise dos químicos, médicos, cientistas em geral, ou de qualquer cético que queira apalpar a configuração do Senhor. Ei-lo! Eis o homem! Como apresentou Pilatos. Todo chagado e marcado por chicotes ferinos. Eis o Cristo de olho vazado pelos espinhos da coroa e sobre esta vista a imagem de uma moeda romana, conforme o costume.

Vejam o que queriam ver. Um Deus-homem impresso em negativo em um linho antiquíssimo, com pólen do século primeiro, pela explosão luminosa de sua ressurreição! Reconheçam que não há pintura em negativo com sangue AB judeu de quase dois mil anos que permaneça nítida após tantas intempéries. Figura que não é pintada e que após fotografia de um pesquisador, curiosamente aparece em positivo e apresenta tridimensionalmente o Senhor sofredor, sem nenhuma distorção em computador (o que normalmente aconteceria), o que só hoje, no século 21, os cientistas conseguiram colocar impresso em 3D.

A precisão dos traços e marcas da Paixão... funduras das chagas, inchações, todo o desenho anatômico das lesões, constatado por renomados cirurgiões, digitais de quem o transportou nas plantas dos seus pés... O que mais falta? O que mais? Frente às exigências empíricas dos que no fundo acham incômodo CRER, Jesus Ressuscitado diz ao Tomé de cada século: "Vem e vê. Põe o teu dedo em minhas chagas e no meu lado! Sou eu! Estive morto, mas venci a morte! Abre teu coração agora e abandona tua soberba! Tu creste porque viste. Felizes aqueles que creem, mesmo sem ver".

Caros irmãos, o nosso Deus é um Deus vivo! E você é convidado a viver e a beber desta fonte e a nunca mais ter sede! Feliz Páscoa!

Padre Luiz Cláudio Azevedo de Mendonça é chanceler da Diocese de Nova Friburgo. Esta coluna é publicada às terças-feiras. 

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Páscoa – Saber perder é saber ganhar!

terça-feira, 06 de abril de 2021

Páscoa, no grego paskein, no hebraico, pesah, palavra que significa passagem. Da escravidão para a liberdade, da morte para a vida, do pecado para a graça, das trevas para a luz! Páscoa! Certeza da vitória da vida! Cristo, Deus feito homem nos ensina a amar e a dar a vida pelos irmãos. O seu olhar acolhedor e misericordioso nos transmite do alto da dor e da cruz que o amor é mais forte que a morte, é mais forte que qualquer sofrimento ou obstáculo.

Páscoa, no grego paskein, no hebraico, pesah, palavra que significa passagem. Da escravidão para a liberdade, da morte para a vida, do pecado para a graça, das trevas para a luz! Páscoa! Certeza da vitória da vida! Cristo, Deus feito homem nos ensina a amar e a dar a vida pelos irmãos. O seu olhar acolhedor e misericordioso nos transmite do alto da dor e da cruz que o amor é mais forte que a morte, é mais forte que qualquer sofrimento ou obstáculo.

Amar e perdoar. Libertar o coração de todo ressentimento e mágoa, de todo o rancor e ódio, de toda revolta ou sentimento de vingança. Purificar-se. Lavar as vestes e a alma no sangue redentor do cordeiro. Entregar-se totalmente nas mãos do Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. 

Como Jesus, saber “perder”. Deixando que disputem sua túnica, o poder, a vaidade, as riquezas, os prazeres.  Poder verdadeiro e definitivo é o de Deus!  Ele te ressuscita, te revigora e te realiza plenamente no sentido hialino de viver. 

O nosso tesouro é Deus e esta feliz vida espiritual que ele nos dá já aqui no horizonte terrestre. A paz de ser amado e de amar com este sentir do coração de Cristo. Servir ao próximo sem interesse, sem ambiguidades, nem equívocos. É bálsamo para o espírito e alegria eterna multiplicada a cada gesto de bondade, gentileza, fraternidade, generosidade. Doação de si mesmo com total liberdade ao coração dos irmãos, especialmente os que mais precisam.  

No fim, na maturidade do “terceiro dia”, é o saber ganhar de Jesus, a vitória da luz e da verdade, o esplendor do bem, que se conquista com a renúncia, o esvaziamento, o sacrifício e o amor-entrega da Sexta-feira da Paixão.  

Assumir a cruz e transformá-la em luz para nós e para o mundo inteiro. Assim continuaremos a obra da salvação do Senhor. Feliz Páscoa!

Padre Luiz Cláudio Azevedo de Mendonça, chanceler da Diocese de Nova Friburgo. 

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Dar vez a quem não tem vez, dar voz a quem não tem voz

terça-feira, 30 de março de 2021

É chegada a semana das semanas. Os dias que antecedem a grande solenidade da Páscoa possuem um caráter de grande reflexão e esperança. Celebrar a ressurreição de Jesus é celebrar a vitória da vida sobre a morte. Contemplando os passos da Paixão, somos levados a refletir as dores da humanidade. Olhar o Cristo chagado, escarnecido, humilhado é olhar a condição de muitos irmãos e irmãs relegados a condições subumanas em nossa sociedade.

É chegada a semana das semanas. Os dias que antecedem a grande solenidade da Páscoa possuem um caráter de grande reflexão e esperança. Celebrar a ressurreição de Jesus é celebrar a vitória da vida sobre a morte. Contemplando os passos da Paixão, somos levados a refletir as dores da humanidade. Olhar o Cristo chagado, escarnecido, humilhado é olhar a condição de muitos irmãos e irmãs relegados a condições subumanas em nossa sociedade.

A crise mundial causada pela Covid-19, unida e aguçada pelas chagas da desigualdade social, da devastadora discriminação e do descaso das autoridades com os menos favorecidos, sem dúvida alguma, revela o quanto se faz necessário e urgente pensar e promover, além da cura ao novo coronavírus, a cura ao vírus da injustiça social.

As doenças sociais se agravaram muito neste tempo pandêmico. Todos os dias, somos surpreendidos por inacreditáveis informações que noticiam a corrupção, fruto de corações endurecidos que não veem como sofre o povo. Quantas mortes poderiam ser evitadas com políticas públicas justas e comprometidas com o bem comum?

São histórias estarrecedoras de irmãos nossos que, privados da assistência mínima, veem suas vidas prematuramente ceifadas. Nosso país segue, a cada dia, batendo o recorde do número de mortes causadas pela Covid-19. Isso sem contar aqueles que morrem sem auxílio médico.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro registrou que no período entre abril e junho de 2020, somente em nosso estado, ao menos 730 pessoas morreram à espera de um leito de enfermaria ou UTI. Hoje, de acordo com a Secretaria estadual de Saúde, em todo território fluminense 678 pessoas aguardam uma vaga de terapia intensiva. Número que, apesar de assustador, cresce quando enumeramos a precariedade dos hospitais na falta de insumos básicos.

No início do ano, o Papa Francisco alertou para a instabilidade do tempo presente e advertiu: “Sabemos que as coisas vão melhorar na medida em que, com a ajuda de Deus, trabalharmos juntos para o bem comum, colocando no centro os mais fracos e desfavorecidos” (Angelus, 3 jan. 2021).

O imperativo “estende a tua mão ao pobre” (Eclo 7, 32) ressoa com toda a densidade do seu significado. Precisamos nos responsabilizar no auxílio aos irmãos. Concentrar o nosso olhar no essencial e superar as barreiras da indiferença à dor alheia. Em tempo como este é urgente lançar mão de nossos direitos e deveres cívicos e exigir o mínimo necessário a salvar vidas de tantos irmãos e irmãs.

Façamos o caminho da paixão, consolando nos irmãos o coração de Deus. “Ao longo da via sacra diária, encontramos os rostos de tantos irmãos e irmãs em dificuldade: não passemos adiante, deixemos que o coração seja movido à compaixão e nos aproximemos. No momento, como o Cirineu, poderemos pensar: "Por que logo eu?" Mas depois descobriremos o presente que, sem nosso mérito, nos foi dado” (Papa Francisco, Angelus, 28 mar. 2021).

Lembrando que a pobreza assume sempre rostos diferentes, que exigem atenção a cada condição particular, sejamos nós voz daqueles que foram silenciados pela esmagadora indiferença e injustiça.

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Padre Aurecir Martins de Melo Junior é assessor diocesano da Pastoral da Comunicação. Esta coluna é publicada às terças-feiras.

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Um com todos

terça-feira, 23 de março de 2021

Estamos enfrentando uma das maiores crises da contemporaneidade. Não digo isto em referência apenas à pandemia da Covid-19 e à crise econômica que ela desencadeou. Esta afirmação tende a ser mais abrangente. Todos os dias nos deparamos com situações que revelam o quanto há de maldade em nós e no meio em que estamos inseridos. É muito comum ouvirmos justificativas sobre a atual situação culpabilizando o sistema, a cultura, o governo, a população. A responsabilidade torna-se uma verdadeira “batata-quente”.

Estamos enfrentando uma das maiores crises da contemporaneidade. Não digo isto em referência apenas à pandemia da Covid-19 e à crise econômica que ela desencadeou. Esta afirmação tende a ser mais abrangente. Todos os dias nos deparamos com situações que revelam o quanto há de maldade em nós e no meio em que estamos inseridos. É muito comum ouvirmos justificativas sobre a atual situação culpabilizando o sistema, a cultura, o governo, a população. A responsabilidade torna-se uma verdadeira “batata-quente”.

O ato de transferir a culpa é bastante antigo. No livro do Gênesis, ao ser questionado pelo motivo de ter comido o fruto proibido, Adão transfere a culpa para a mulher, Eva por sua vez para a serpente (cf. Gn 3, 11-13). Contudo, esta dinâmica não muda nada, ao contrário somente tende a agravar ainda mais as divisões e os conflitos.

Não se pode esquecer, em momento algum, de que todo ato humano exercido em sua individualidade tem uma dimensão de abertura para Deus e para o próximo. Disto, concluímos que o pecado tem como consequência a ruptura com Deus e com os irmãos.

Cada indivíduo, no exercício de suas funções, tem a responsabilidade de zelar pelo bem, pela paz e pela vida. Também faz parte de sua missão cuidar para que as estruturas sociais não percam a dimensão da verdade, bondade e comunhão. O papa emérito Bento XVI ao analisar os desvios e o esvaziamento de sentido vividos pela sociedade hodierna, aponta o humanismo integral como única solução. “Só um humanismo aberto ao absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil – no âmbito das estruturas, das instituições, da cultura, do ethos – preservando-nos do risco de cairmos prisioneiros das modas do momento” (Caritas in veritate, 78).

O enfrentamento da crise social deve começar pelo questionamento de cada indivíduo sobre sua forma de ação na vivência comunitária. É absurdo o modo como alguns indivíduos, no afã de defender suas ideologias, torcem para que falhem ações que tendem ajudar a outrem. Como também são absurdas as manifestações de alegria quando algo dá errado.

Assim, o Papa Francisco além reforçar a prática do humanismo integral, aponta o diálogo construtivo como ferramenta fundamental para enfrentar os conflitos e divisões. “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade”.

Mais uma vez, cabe a reflexão proposta pela quinta edição da Campanha da Fraternidade Ecumênica, a qual nos convida, pela prática do diálogo fraterno, a construir pontes ao invés de muros de separação. É hora de todos nós assumirmos nosso lugar no enfrentamento da crise atual, exercendo com responsabilidade, diálogo e justiça a missão de ser um com todos.

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Padre Aurecir Martins de Melo Junior é coordenador diocesano da Pastoral da Comunicação. Esta coluna é publicada às terças-feiras.

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Fraternidade e diálogo

terça-feira, 16 de março de 2021

O período quaresmal é um momento de preparação para a grande festa da Páscoa. Durante este tempo a Igreja nos propõe os exercícios espirituais do jejum, esmola e oração. O jejum nos faz experimentar o esvaziamento, a expropriação, a libertação dos bens materiais abrindo nosso coração à fome de Deus e à disponibilidade de saciar a fome dos irmãos. Já a esmola é partilha, misericórdia, cuidado, entrega. O seu exercício é a verdadeira dinâmica do amor divino e nasce do encontro do tesouro escondido (cf. Mt 13, 44-46).

O período quaresmal é um momento de preparação para a grande festa da Páscoa. Durante este tempo a Igreja nos propõe os exercícios espirituais do jejum, esmola e oração. O jejum nos faz experimentar o esvaziamento, a expropriação, a libertação dos bens materiais abrindo nosso coração à fome de Deus e à disponibilidade de saciar a fome dos irmãos. Já a esmola é partilha, misericórdia, cuidado, entrega. O seu exercício é a verdadeira dinâmica do amor divino e nasce do encontro do tesouro escondido (cf. Mt 13, 44-46). A oração é fonte de intimidade entre um coração desapegado do homem e o coração misericordioso de Deus.

A prática destes exercícios nos auxilia no caminho de conversão e mudança de vida, desperta em nós a necessidade de partilha e nos aproxima em fraternidade. Todos os anos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos apresenta a Campanha da Fraternidade como um caminho pessoal, comunitário e social de conversão e culminância das práticas quaresmais.

Num tempo de radicalizações e de polarizações no qual pululam conflitos, violência, racismos, xenofobias e outras práticas de ódio, se faz urgente a reflexão sobre a necessidade de superarmos a diferença e, em diálogo, nos unir na construção e propagação de um mundo mais justo e fraterno.

O tema “Fraternidade e diálogo”, em certa medida, parece ser redundante. Pois é certo que a prática religiosa conduz necessariamente ao diálogo e ao respeito aos irmãos. Infelizmente, para alguns esta certeza ainda não foi alcançada. Podemos, evocando o testemunho da história, enumerar várias situações em que o nome de Deus foi usado em discursos políticos carregados de ódio ou para justificar diversos genocídios. Ou ainda, ao abrir as redes sociais nos deparamos com inúmeros discursos cheios de ódio numa tentativa estéril de defender a fé.

As palavras do Papa Francisco na visita à cidade de Ur, no Iraque, enriquecem nossa reflexão: “os bens do mundo, que fazem muitos esquecer-se de Deus e dos outros, não são o motivo da nossa viagem sobre a terra. Erguemos os olhos ao céu para nos elevarmos das torpezas da vaidade; servimos a Deus, para sair da escravidão do próprio eu, porque Deus nos impele a amar. Esta é a verdadeira religiosidade: adorar a Deus e amar o próximo. No mundo atual, que muitas vezes se esquece do Altíssimo ou oferece uma imagem distorcida d’Ele, os crentes são chamados a testemunhar a sua bondade, mostrar a sua paternidade através da nossa fraternidade.” (6 de março de 2021).

Ao nos entregarmos à prática dos exercícios quaresmais, nos libertamos das paixões terrenas e do nosso próprio egoísmo. Nos tornamos capazes de ouvir o outro e respeitá-lo como um irmão, um igual, que caminha conosco ao encontro do amoroso coração de Deus. Somos chamados a “abrir o coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus” (Exort. Apost. Evangelii gaudium, n. 244). 

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A você mulher

terça-feira, 09 de março de 2021

Ontem, 8, celebramos o Dia Internacional da Mulher. A data marca as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres ao longo dos anos. Mas a celebração deste dia não pode perder sua essência de luta por condições mais dignas e igualitárias.

A identidade feminina é marcada pela sua “capacidade para o outro”, isto é, pela intuição profunda de que sua vocação é realizada nas atividades orientadas para o despertar do outro, para o seu crescimento e a sua proteção.

Ontem, 8, celebramos o Dia Internacional da Mulher. A data marca as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres ao longo dos anos. Mas a celebração deste dia não pode perder sua essência de luta por condições mais dignas e igualitárias.

A identidade feminina é marcada pela sua “capacidade para o outro”, isto é, pela intuição profunda de que sua vocação é realizada nas atividades orientadas para o despertar do outro, para o seu crescimento e a sua proteção.

Doar vida é próprio da personalidade feminina. O que não se restringe somente à capacidade biológica de gerar, pois gerar verdadeiramente vida está além do contentamento de dar vida física.

“Elas possuem uma capacidade única de resistir nas adversidades; de tornar a vida ainda possível, mesmo em situações extremas; de conservar um sentido tenaz do futuro e, por último, recordar com lágrimas o preço de cada vida humana” (Congregação para a Doutrina da Fé, 1 ago. 2004).

Esta capacidade é testemunhada pela história nas inúmeras lutas de mulheres pela preservação da vida e da dignidade humana. Algumas delas se tornaram conhecidas não só por suas ações de defesa pela igualdade, mas também em defesa da vida e dos menos favorecidos. Nomes como Teresa de Calcutá, Dulce, Zilda Arns, Dorothy Stang, Malala Yousafzai e de Maria da Penha são apenas uma centelha do que o poder e a determinação de uma mulher podem fazer no mundo.

O exemplo destas nos faz ver o quanto é preciso reconhecer e valorizar o papel da mulher na edificação de um mundo mais justo e fraterno. Sem dúvida, o lugar da mulher no seio da família já é algo aceito e legitimado por muitas culturas, contudo, se faz urgente perfilar o seu lugar insubstituível em todos os aspectos também da vida social. Isto implica que ela esteja presente no mundo do trabalho e da organização social, que tenha lugares de responsabilidade, onde poderá inspirar políticas concretas e soluções inovadoras para os problemas econômicos e sociais.

O Papa Francisco destacou que “é próprio da mulher tomar a peito a vida. A mulher mostra que o sentido da vida não é continuar a produzir coisas, mas tomar a peito as coisas que existem” (Twitter, 8 de março de 2020). No entanto, a força renovadora da mulher ainda é, por diversas vezes, sufocada pela violência e marginalização. Lamentavelmente no Brasil cresce o número de mulheres assassinadas ou vítimas de violência, são pelo menos cinco por dia, revela estudo (fonte: www.cnnbrasil.com.br, 4 de março de 2021).

Por isso, o Dia Internacional da Mulher, também deve ser marcado pela luta de milhares de outras mulheres que vivem imersas no ciclo de violência e de tantas outras que tiveram suas vidas interrompidas vítimas da violência ocorrida dentro do próprio lar.

Nisto revela-se a fecundidade das palavras de Francisco: “Onde as mulheres são marginalizadas, é um mundo estéril, porque as mulheres não só dão a vida, mas nos transmitem a capacidade de olhar além, de sentir as coisas com o coração mais criativo, mais paciente, mais tenro”. A você mulher nosso reconhecimento e admiração.

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Quaresma: Tempo de conversão

terça-feira, 02 de março de 2021

Vivendo a cada ano o tempo da Quaresma, naquela experiência de 40 dias de preparação para a Páscoa-Ressurreição do Senhor, lembramo-nos dos 40 anos das lutas do deserto do povo de Israel rumo à terra prometida e do outro deserto das tentações de Jesus, quando jejuou e venceu todo mal. No primeiro, o povo escolhido buscava a sua libertação plena, tendo que confiar totalmente no Deus que abrira o mar e que o curava e alimentava a cada passo. 

Vivendo a cada ano o tempo da Quaresma, naquela experiência de 40 dias de preparação para a Páscoa-Ressurreição do Senhor, lembramo-nos dos 40 anos das lutas do deserto do povo de Israel rumo à terra prometida e do outro deserto das tentações de Jesus, quando jejuou e venceu todo mal. No primeiro, o povo escolhido buscava a sua libertação plena, tendo que confiar totalmente no Deus que abrira o mar e que o curava e alimentava a cada passo. 

Confiar e caminhar: era o desafio da fé. Não se deixar convencer pelo mais fácil - o desânimo, o desespero, a escolha de outros deuses, ídolos que desviam o fiel de sua entrega, com promessas imediatistas e artificiais de saciedade e prosperidade. Continuar na obediência ao Senhor, arrepender-se das vacilações e pecados, das más escolhas. Retomar a direção da verdadeira terra abençoada - a vontade divina. Aprender a abandonar-se em Deus, sem questionar a infinita sabedoria salvadora. O deserto é sempre uma escola, onde temos a oportunidade de amadurecer a nossa fé, na provação, na perseverança, nas perdas, nas quedas e reerguimentos, entregando-nos à misericórdia do amoroso pastor. Por isso, as palavras fortes deste tempo são: conversão, arrependimento, penitência, purificação, perdão, renovação.

No segundo deserto, Jesus nos ensina a fortaleza, a concentração, a resistência frente às tentações da nossa natureza humana: "...transforma esta pedra em pão!"  (buscar a saciedade e o prazer fora da missão do reino de Deus, priorizando o material); "... atira-te daqui para baixo!" (deixar tudo para a providência divina, agindo com irresponsabilidade ou se omitindo, abandonando a luta e o esforço pelo bem e pela vida); "Tudo isto te darei, se prostrando, me adorares!" (querer o poder, traindo a verdade, deixando-se dominar pela ambição, soberba, vaidade, egoísmo, afastando-se da Igreja serva na humildade e na caridade, a exemplo de Cristo.

Aproveitemos este período propício à nossa renovação espiritual, para, com a graça e a força do mestre, vencermos todas as sombras e fraquezas do nosso coração e nos fortalecermos com a luz da verdade de Deus, vencedores na cruz do Senhor. Façamos a nossa peregrinação quaresmal, como Igreja discípula-missionária, em estado permanente de missão, numa conversão pastoral, lavando nossos pecados na doação de amor, como Cristo, pela Páscoa-libertação de muitos irmãos. 

Padre Luiz Cláudio Azevedo de Mendonça é chanceler da Diocese de Nova Friburgo. Esta coluna é publicada às terças-feiras.

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O castigo da culpa e o alívio da inocência

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Não é fácil lidar com a culpa de nossos erros, ainda mais quando a redenção não pode ser encontrada nos quais esperávamos compaixão. Não estou falando da culpa advinda do crime e das maldades da corrupção. Falo de coisa mais corriqueira: da culpa que nos acompanha quando a consciência nos reprova e traz à tona, pela memória, os momentos onde faltou amor.

Não é fácil lidar com a culpa de nossos erros, ainda mais quando a redenção não pode ser encontrada nos quais esperávamos compaixão. Não estou falando da culpa advinda do crime e das maldades da corrupção. Falo de coisa mais corriqueira: da culpa que nos acompanha quando a consciência nos reprova e traz à tona, pela memória, os momentos onde faltou amor.

O próprio peso da culpa já faz parte do processo de restauração pelo qual precisamos passar se quisermos superá-la rumo à maturidade humana. Temos aqui um princípio muito claro da moral: a consciência como nosso juiz. Ela pode se transformar em um monstro que purga nossas penas de modo positivo, na ordem da libertação. Ou, no pior dos casos, será um pesadelo que só tende a crescer na medida em que não enfrentarmos o monstro. Vou tentar exemplificar através da literatura russa.

O romance de Dostoiéviski, “Os Irmãos Karamazóv”, logo no início traça com muita clareza o temperamento do pai de três filhos bastante diferentes entre si. Fiódor Pávlovitch era um homem entregue aos seus desejos carnais, ganhando dinheiro à custa de heranças alheias. Foi chamado de “um ser parasita”, abjeto aos olhos e ofensivo nas palavras. Apesar da fortuna, era sempre mesquinho em relação aos seus bens e quase nunca teve contato com os filhos. Quando o mais novo, Alexei, puro e casto, aos 20 anos passou a morar e conviver na casa do pai, lugar de orgias e devassidão, tornou-se uma espécie de acusador de seus erros sem nunca ter dito nada. Na mente do pai a culpa levava-o a imaginar que, apesar do silêncio do filho, este não deixava de pensar mal dele.

Primeira conclusão: na consciência do culpado empedernido a culpa é um juiz implacável; é um severo juízo que leva o culpado a um quase verdadeiro inferno de reprovações interiores que ele precisa dar nome. O culpado se acusa sem o perceber, já que a culpa o leva a se defender sem antes ser recriminado. Daí ele passa a interpretar as atitudes daqueles que convivem consigo como suspeitas e cheias de reprovação, e a imaginação flui ao ponto de sabotar o próprio culpado, concluindo que todos estão contra ele por causa de seus erros, mudando o foco da culpa sem sucesso.

Agora, porém, quero fazer notar o posicionamento de Alexei diante do pai devasso que encontrou perto de si a compaixão. Alexei silencia e não quer ser juiz de ninguém, apesar de ficar triste com os erros dos outros, não demonstra nenhuma atitude de desprezo. Com isso, o pai, que antes o acolheu e o interpretou mal, torna-se amável com o filho e passa a chorar em seus braços, desenvolvendo um amor sincero que até então nunca havia sentido por ninguém.

Segundo ensinamento: o castigo da culpa pode ser aliviado pelo amor da inocência. Ao alimentar somente o amor em seu coração, sem querer ser juiz de ninguém, mesmo sabendo o que estava errado, Alexei atrai os pecadores, os quais passam a despertar o melhor que ainda possuem em seu coração. Há pessoas assim, capazes de fazer surgir o melhor que há em nós, sem concordar com nossos erros, mas tão pouco desprezar-nos por causa deles.

Enfim, o verdadeiro puro de coração, antes de ser juiz dos outros, o é de si mesmo e não fica buscando erros alheios para aliviar a culpa dos seus. Antes, sabe se perdoar e, deste modo, perdoa aos outros sem permitir distanciamento ou frieza. E isso acontece de modo espontâneo. É fato: quando a santidade de vida cresce em nós, paramos de enxergar os defeitos dos outros como juízes implacáveis, pois já não os possuímos. Diante desta reflexão, desejo a todos que este tempo quaresmal seja um fecundo período de sincera conversão e vivência profunda do amor.

 

Padre Celso Henrique Diniz é vigário paroquial da Catedral São João Batista. Esta coluna é publicada às terças-feiras.

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